28 janeiro 2012

Uma crônica para descontrair

Como brisa de mar calmo
Luciano Siqueira

No cais nada parecia se mover. Um ou outro ruído distante acentuava o silêncio na tarde modorrenta. Quedou-se em reminiscências. Olhos semicerrados, imagens se superpondo, ora embaralhadas, ora sequenciadas – tempos alternados, tempo presente. Como se estivesse diante de um espelho, redescobrindo-se, revisitando a própria vida. Como se reencontrasse e se reconhecesse em cada traço do rosto, no olhar, no leve sorriso.

Lembrou que ela um dia chegou sem dizer que vinha. Entrou sem bater à porta. Sentou-se. Sorriu um sorriso breve, tímido e silencioso. Olhou em torno como que buscando situar-se no ambiente, identificar sinais e motivos. Logo percorreu cada cômodo da casa, visitou o jardim, colheu flores. Foi ao porão e ao sótão com surpreendente intimidade.

Ao primeiro diálogo, cumplicidade, inquietações, perguntas, descobertas: a vida tem sentido quando vivida através dos tortuosos caminhos da busca. Na dor e no prazer, no desengano e na esperança, no fracasso e na conquista – a reinvenção cotidiana da existência.

Outros encontros: idéias e fazeres compartilhados. A vida é complexa, sim, mas é possível compreende-la pela linguagem do gesto, da palavra pronunciada, seca ou emocionada, certeira – uma aprendizagem constante, solidária.

Bandeiras erguidas, convergentes. Que o sentimento flua livre, a salvo de regras, preconceitos, tabus. Impossível enquadrar o afeto, o desejo, a paixão. Que tudo aconteça tão natural quanto o sol que se abre todos os dias anunciando a alvorada, e de modo tão sereno quanto o arrebol. E que se traduza na rosa vermelha que todas as manhãs desabrocha revelando o encanto da vida. Nas coisinhas bobas do cotidiano: a melancia do café da manhã madura em demasia, o jornal que chegou amassado, o telegrama tardio. E nos desafios de sempre: a necessidade de apressar aquela decisão, de cumprir um compromisso assumido, de arrostar nova tarefa.

Que transite suave entre a saudade, a espera e o reencontro. Como nos versos rascunhados pelo poeta anônimo em noite vazia: “Porque hoje é sábado e o silêncio deve ser preservado/não te ofertarei rosas nem procurarei o regaço dos teus seios./Mas, mirando as estrelas, te encontrarei entre elas/- a mais fulgurante de todas -/a irradiar a luz que ilumina o meu sonho.”

Veredas, escolhas: desencontros apenas prenunciam a caminhada a passos mais largos, mais decididos. Pois que a dimensão de todas as coisas se refaz, como a dimensão do tempo, avessa a cronologias. O ontem e o agora se fundem: tudo se recria.

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