26 janeiro 2012

Germano Coelho, homenageado do Carvaval de Olinda 2012

NO PALÁCIO DOS GOVERNADORES NO CARNAVAL DE 2012

Agradeço ao Prefeito de Olinda a grande honraria de ser homenageado, na maior festa da cultura popular do País: o criativo Carnaval de Olinda.

De volta do longo exílio, trouxe Paulo Freire para ver, das sacadas do Palácio dos Governadores, os blocos de frevo, os maracatus e os caboclinhos desfilando, a praça cheia, o povo fervilhando.

Empolgado, ele me disse: “Germano, não deixe isso morrer nunca. Aqui, o Movimento de Cultura Popular está vivo, vivíssimo.”

Nabuco lembra, em “Massangana”, na “Minha Formação”, que os filhos dos pescadores sentirão sempre, debaixo dos pés, o roçar das areias da praia, e ouvirão sempre o ruído das ondas do mar e o “diz-que-diz-que macio que brota nos coqueirais”.

Eu por vezes acredito ver, como vi em 1996, do Amparo ao Mosteiro de São Bento, fantasiados e bailando, um após outro, todos os Maracatus Rurais de Pernambuco, e escuto os tambores e chocalhos enchendo as ruas de Olinda. Vejo os caboclos calados, dançando suados, com uma flor aberta nos lábios.

“São Maracatus retardados,
chegando à cidade cansados
com seus estandartes no ar”

“Saudade, tão grande... , saudade que eu sinto dos passistas traçando tesouras, nas ruas repletas de lá...” Vejo todos os bonecos gigantes, desfilando juntos, pela primeira vez, na Rua de São Bento.

Vejo a praça inteira, braços levantados, entoando com Clídio Nigro, “Olinda, quero cantar a ti, esta canção.” Vejo, passando pelo Palácio dos Governadores, o boi, a vaca, o bode, a cabra, os bichos de “Julião das Máscaras”. E os estandartes vibrantes das agremiações famosas, primorosamente bordados com mãos de fada e linhas de amor, por “Maria do Monte”. Vejo mais, em pleno Carnaval de Olinda, o som puro, imaculado, de violinos da “Casa da Rabeca”, na Cidade de Tabajara, à frente, um artista famoso, “Salustiano”, mestre de todas as artes da cultura popular. Vejo, ainda, o mistério do “Homem da Meia-Noite”, saindo na hora exata e arrastando multidões, pelas ruas mal iluminadas de Olinda.

Esse Carnaval vibrante, na Cidade Patrimônio da Humanidade, repercute em todo o País. Em 1996, Fernando Augusto, outro gigante do Carnaval de Olinda, “Carnavalizando a Vida”, monta, no Palácio dos Governadores, a “Oficina de Artes e Ofícios do Carnaval”. E espalha “arte por toda parte”. E o “Rei Momo”, imenso, no alto do Palácio, abraça o velho monumento do 1600, de onde o Brasil foi governado três vezes. E a Rua de São Bento ostenta versos de Alceu Valença: “Olinda, tens a paz dos mosteiros da Índia”. E de cada dez flashes do Carnaval Pernambucano, que a televisão enviava para o resto do Brasil, nove eram do Carnaval de Olinda.

Carnaval mágico, livre, inteiramente livre, todo feito de sonhos, deslumbrante e diversificado, como a opulenta Mata Atlântica, onde nasceu, e cresce, e muda, porque fruto maduro da fantasia, da imaginação, da criatividade e da poesia.

Festa da cultura negra, branca, indígena, e da mistura parda e amarela, que deu a beleza, o gênio, a força, e o colorido do povo brasileiro.

Festa dos jovens, e de todas as idades, de todas as línguas, de todos os sotaques, de todas as crenças, de todas as etnias.

Festa maior, festa máxima, de todos os instrumentos, de todas as músicas, de todos os ritmos, de todos os sons, de todas as cadências, de todos os batuques, e de todos os tons.

E na dança, no passo, no sapateado, no corpo a corpo, cantando juntos, dançando juntos, todos se sentem irmãos. “E eu, no meu delírio, no meio da multidão”, descubro, que o Carnaval desvela, que o Carnaval revela, na alegria contagiante do passo, que “outro mundo é possível”, que é possível “transformar o mundo”.

“É de fazer chorar, quando o dia amanhece, e obriga o frevo a acabar. Óh quarta-feira ingrata, chega tão depressa, só pra contrariar”. E termina a festa, e fica o lixo do Carnaval. O ritual agora é outro. “Bacalhau do Batata”, teimoso, desce o Alto da Sé. E, os jovens, os jovens que comandavam a alegria, que farão, agora, os jovens?

Diz o IBGE, que no Brasil todo são 36 milhões na faixa etária dos 14 aos 24 anos. Desses 6 milhões vão para a universidade: têm cidadania, têm perspectivas de vida. 30 milhões não podem ir porque são pobres. A maioria não trabalha, nem estuda. Têm o ócio, a criminalidade e a droga.

E os Poderes Públicos, da União, dos Estados e dos Municípios, e as Empresas Privadas, que fazem com esses 30 milhões de jovens pobres? Fecham a porta para o seu treinamento “no ambiente de trabalho”. Descumprem, abertamente, a Constituição, que lhes garante a “profissionalização”, com “absoluta prioridade”.

Saramago, único Prêmio Nobel da língua portuguesa, no “Ensaio sobre a Cegueira”, mostra que não são cegos só os que não vêem, mas os que vendo, não se apercebem da realidade, como ela é.

Nos tempos difíceis de agora, na Europa e na América, a segurança do Brasil está no dinamismo de seu mercado interno. Deixar de integrar ao mercado de trabalho, como produtores e como consumidores, 30 milhões de jovens, é mais do que cegueira. A solução das armas, da polícia e da cadeia é um crime hediondo contra o Brasil. É um crime hediondo contra a juventude pobre brasileira.

Senhor Prefeito, não vim para ser homenageado. Vim para homenagear o glorioso Carnaval de Olinda.

Germano Coelho

Um comentário:

Cláudio Cegonha Cabral disse...

Homenagem justa e já merecida há muito tempo. Germano é a alma da Olinda de hoje. Então, venha Germano, como seu sorriso amplíssimo, encher de satisfação e orgulho todos nós que tivemos o prazer e o privilégio de sermos seus contemporânes. Viva Olinda! Viva Germano!