No Terra Magazine, por Ronaldo Correia de Brito
O barulho nas festas de livros
Os livros pedem silêncio para escutarmos as vozes que falam neles. Há barulho em excesso, ameaçando calar as falas dos personagens de romances, contos, novelas e peças de teatro. Algumas vozes parecem sussurros, de tão delicadas. Como ouvi-las, com tanto barulho? Os poemas dos chineses Li Po e Tu Fu, traduzidos por Cecília Meireles, parecem água correndo nos regatos ou folhas arrastadas pelo vento, em noite de lua cheia. Como ouvi-los, com tanto barulho? Mesmo os cantos elétricos de Walt Whitman são abafados pelas caixas sonoras repetindo anúncios e comerciais. E o "Son de negros em Cuba", na voz de Federico Garcia Lorca - calor branco, fruta morta, curva de suspiro e barro -, emudecem em meio à algazarra de maracatus e sambas do Recife.
O silêncio é aonde resvalam ecos e vales, diz um verso do poeta andaluz. Os escritores necessitam dele para escutarem suas próprias vozes e se fazerem ouvir. Porém tudo conspira contra o silêncio e ninguém ouve quem escreve, lê poemas ou conta histórias. Muitas vozes falam alto nos microfones, os tambores percutem o couro e as festas para os escritores ameaçam transformar-se em carnavais e shows.
Contam que Demócrito de Abdera cegou os próprios olhos para desse modo pensar melhor. Como poderemos pensar em meio ao barulho? Os ruídos embotam os pensamentos e a poesia, nos tornam surdos à voz que brota dos livros. Por favor, façam silêncio e escutem o que os livros desejam falar. Já existem festas em excesso nesse país, três meses de carnaval, shows para milhões, jogos de futebol, rádios, televisões e aparelhos de som ligados nas casas. Quando o livro pedir silêncio, uma pausa em meio aos caos sonoro, por favor, silenciem. Um minuto que seja. Aquele minuto que pedem em reverência aos mortos. Aquele minuto pelo menos.
Mas os livros não morreram ainda, eu juro. Eles teimam em continuar vivos e pulsantes. Porém se ninguém fizer silêncio para que eles falem, com certeza calarão de vez.
Nem é preciso o silêncio absoluto das pedras, de que fala a poesia de João Cabral. Basta silêncio com menos aridez. Silêncio de escutar em silêncio a música das palavras, o engenho dos artistas, o ritmo das estrofes e parágrafos na sua música plena, sem acompanhamento de tambores, nem caixas ou gonguês. Silêncio para ouvir os que trabalham calados e um dia resolvem falar de voz viva.
O poeta Everardo Norões escreveu sobre ler cada saliência das coisas. Precisamos ler todas as palavras dos livros, com o peso que elas possuem e nos comunicam. Mas, para tanto, é necessário silêncio.
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