POR
QUE o CAIS DO SERTÃO é TRANSTEMPO?
Jomard
Muniz de Britto, jmb
Vamos
começar tentando esquecer as precariedades de qualquer texto:
oral,
gestual, audiovisual. Do vozeirão de Ascenso Ferreira atravessando
pontes,
incensando mistérios do passado ao presente do futuro. O realismo
crítico
de Graciliano Ramos pela angústia das vidas secas. A estética da fome
de
Glauber Rocha na cruel esperança de que o sertão pudesse virar mar...
Gonzaga,
Gonzaguinha, Gonzagão. Mas sabemos da impossibilidade dos
esquecimentos
e até mesmo dos desejos: entre desamparo, ignorância, amor
e morte.
Por tudo isso e eles o CAIS DO SERTÃO é do TRANSTEMPO:
formando
espantos em nós. Do mais singular ao plural de nossas contradições
e
crueldades. Tentemos esquecer, na medida do impossível, as “ideologias
da
cultura brasileira”, desterros de Euclides, Amadas predestinações,
GALÁXIAS
de Haroldo de Campos, poesia-síntese de Oswald de Andrade:
amor /
humor. DIADORIM na diáspora de Guimarães Rosa. a regra secreta
de
Sebastião Uchoa Leite. E todos os rumores eleitoreiros, decepções e
expectativas.
Se não
estivesse passando pelo Recife de Bandeira o crítico da cultura
Edélcio
Mostaço, que TUDO vislumbrou no CAIS DO SERTÃO, talvez
ainda
o ignorássemos em nossa petulância universitária. Porque ISSO é
incrível,
de fazer horror. Para nos humilhar: idiotamente.
Não
mais que de repente, o TRANSTEMPO pode ser visualizado
a
partir da projeção em três telas simultaneamente. Sertão. Sertões.
Semioticidades.
Assim repensamos um slogan antigo de pretensões:
PERNAMBUCO
FALANDO PARA O MUNDO. Sem interrogações
nem
reticências. Sem ironias ou autopunições. Embora sempre (RE)voltando
aos
esquecimentos: buracos nas ruas, avenidas e inteiro ambiente.
O
centenário TEATRO DO PARQUE fechado por falta de tudo – da grana
às
competências desgovernadas. Gente morrendo de fome, drogas, dormindo
nas
ruas, sem saber do nosso CAIS. Tudo falhando e falindo para o mundo
vasto
mundo dos desenvolvimentos e sustentabilidades.
Apesar
dos pêsames, o CAIS DO SERTÃO temporaliza a HISTÓRIA
DA
ETERNIDADE de Camilo Cavalcante. Para implodir no TRANS
de
múltiplas transformações, continuemos repensando O CÃO SEM PLUMAS
de
João Cabral de Melo Neto até o plural reinventado por Moacir dos Anjos.
Começamos
esta travessia textual pelo vozeirão de Ascenso Ferreira e
não
podemos INconcluir sem a voz luminosa de Maria Bethânia na poemação
musical
de Chico César: “Avante Xavante cante / o vento canta contigo /
Não
contente mas cantante / Como amante feito amigo... / A voz de um Brasil
distante
/ Que tanto diz quanto cala / Da dança do fogo da fala / Da gente
desse
lugar...”
Do
CAIS DO SERTÃO ao perspectivismo das nações indígenas,
cantemos
pelos quintais do multiverso das linguagens, sem temer
sociologismos
e outras tropicologias. Se o anarquismo em transe pode ser
o
sonho indomável das OCUPAÇÕES, qual o entrelugar do
TRANScapitalismo
na mais estúpida tragédia? Onde foi parar ou disparar
O
sentimento trágico do mundo?
Recife,
agosto de 2014.
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