O que deve permanecer oculto
Silvio Caccia Bava
É tão avassaladora a onda de análises que vão no mesmo sentido, que suas
afirmações se convertem em realidade. Movem-se poderosos interesses econômicos
que querem o Estado, os fundos públicos e as políticas públicas a seu serviço.
E uma também poderosa máquina de comunicação põe-se em marcha utilizando TVs,
jornais, revistas, para influenciar a opinião pública. É uma campanha integrada
de comunicação. Surpreendentemente sincronizadas numa única estratégia, essas
mídias têm uma agenda comum de ataques ao governo. A estes, somam-se os boatos
na internet e até correspondências de grandes bancos a seus clientes mais
qualificados, que se engajam na campanha eleitoral anunciando a crise econômica
caso a atual presidente se reeleja.
Na ausência de uma agenda positiva para defender, as oposições promovem
o desgaste da imagem do governo federal por denúncias sistemáticas dos casos de
corrupção, por acusações de má gestão, por clientelismo. Como se os problemas
apontados nos governos do PT fossem únicos. Como se aqueles que criticam não
tivessem também seus mensalões. Como se a corrupção não fosse constitutiva do
sistema político que temos: uma democracia política controlada pelo poder
econômico. A prevalência dos interesses das grandes empresas afirma-se pelo
financiamento de campanhas eleitorais, pela fraude em licitações, pelo mau uso
ou desvio de verbas públicas. A corrupção é um recurso político das grandes
empresas, que nunca são punidas por seus atos ilícitos, mesmo quando denúncias
trazem a público essas práticas.
Um traço curioso dessa campanha eleitoral da oposição é a falta de
propostas de mudança. Seus candidatos anunciam que é preciso mudar, mas reiteram
que manterão as políticas do atual governo. Declaram que farão mais e melhor os
programas sociais existentes. Aí se expressa a tensão entre o interesse público
e o privado, entre o dito e o que deve permanecer oculto.
Além de um noticiário econômico com profunda carga ideológica, a
desinformação e a dose diária de violência e insegurança que a mídia impõe à
população produzem a impressão de uma guerra de todos contra todos, na qual a
família e o indivíduo estão à mercê da violência geral. Propagam-se o medo e a
ideia de crise iminente, de um governo fraco. São os fundamentos para criar
sociedades politicamente democráticas e socialmente fascistas.
As alianças que o governo fez com os poderes econômicos romperam-se na
prática, ao menos com importantes setores como o financeiro e o das grandes
corporações. Ainda que tenham contribuído com as campanhas eleitorais, eles
estão francamente contra. Mas não estão sós. O Brasil e suas riquezas
interessam também ao capital internacional. Não é à toa que a revista The
Economist sugere a mudança do ministro da Fazenda brasileiro, ou que as
agências de rating ameacem rebaixar as notas para investimento para o
país e suas companhias. Tudo para criar um clima...
O que deve permanecer oculto nestas eleições é o projeto de colocar o
Estado e os recursos públicos a serviço de um processo mais intenso de
concentração de riqueza e poder. É um projeto profundamente neoliberal que se
propõe a promover um ajuste estrutural para aumentar os ganhos do setor
financeiro, rebaixar o custo da força de trabalho e, com isso, melhorar a
competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional, privatizar
os bens públicos, abrir para o mercado a prestação das políticas sociais e
abrir a economia para o capital internacional.
E contra o que se opõem com tanta força esses grandes interesses
capitalistas? Contra um modelo distributivo, que funda a dinâmica da economia
no aumento da renda e do mercado de consumo interno. Esse modelo é incipiente e
não dominante, mas está crescendo em vários países da América do Sul, único
continente que conseguiu reduzir a pobreza e a desigualdade na última década.
No Brasil, esse modelo distributivo apresenta uma face moderada, mas com
resultados positivos inquestionáveis. Sua manutenção e aprofundamento requerem
políticas e investimentos públicos que vão contra os interesses do grande
capital.
Há ainda uma dimensão política que preocupa os conservadores. O
fortalecimento dos pequenos atores os faz também atores políticos, que
pressionarão para alargar as fronteiras da atual democracia.
Silvio Caccia Bava, Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique
Brasil
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