11 maio 2016

Preconceito e ódio

Um golpe marcado por machismo e estupidez
A crise política é reveladora do espantoso atraso cultural de uma larga parcela da elite brasileira, sobretudo seus representantes no Poder Legislativo.
Olivia Santana, no portal Vermelho
O golpe de estado, travestido de impeachment, contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff, tem seu itinerário marcado por ódio ao projeto que mais mudou as condições de vida da população, valorizou nossa soberania e ergueu o Brasil no concerto das nações. Essa gente também tem destilado altas doses de misoginia e discriminações. Misoginia é o machismo exacerbado, assentado na crença medieval da incapacidade de as mulheres realizarem aquilo que alguns acham que só os homens podem: exercer poder, por exemplo. Os misóginos têm convicção - e a divulgam sem parcimônia - que as mulheres só deveriam ser belas, recatadas e do lar, jamais da rua, da vida pública, da luta política por direitos.
Há os que querem que a política, feita pelos homens, seja território exclusivo deles. Prova disso foi a agressiva advertência feita pelo deputado Alberto Fraga à deputada Jandira Feghalli, numa sessão ocorrida no ano de 2015 quando ela denunciava a agressão física do deputado Roberto Freire: “Mulher que participa de política como homem e fala como homem, também deve apanhar como homem", disse Fraga. Ou seja, se ela teve a ousadia de igualar-se a eles, na visão do deputado, é legitimo que um homem recorra ao velho uso da força bruta para mostrar-lhe quem pode mais.
A presidenta Dilma sempre riscou fora do traçado do feminino mitificado que dociliza e fragiliza as mulheres. Não é do lar. É dos números. Dilma é economista, com larga passagem em cargos públicos estratégicos, que muitos homens gostariam de ter em seus currículos. Destemida, enfrentou a ditadura militar de 1964. Não se vergou aos ditames dos seus torturadores, nem mesmo do verdugo coronel Ustra, hoje saudado com sádico saudosismo por um dos seus parceiros, o deputado Bolsonaro. Mas a História tem ironias. Por duas vezes mais de 50 milhões de brasileiros tornaram Dilma presidenta e comandante-em-chefe das Forças Armadas.
Dilma é pouco afeita a choros e lamurias. É uma mulher enérgica. Os que a criticam por essa característica não conhecem a história de Maria Quitéria, Anita Garibaldi, Dina do Araguaia ou de quilombolas do tipo Maria Tereza do Quariterê e Zeferina, heroínas na guerra. A mídia que critica Dilma por sua dureza, elogiava a primeira-ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher – a dama de ferro - que em 1982 esmagou os argentinos na guerra das Malvinas, admitindo até usar armas atômicas contra o país. A bravura da britânica era vista como virtude por olhares acometidos de um certo complexo de vira-lata.
No teatro do absurdo que a Câmara dos Deputados se tornou, na surreal sessão realizada no dia 17 de abril, 367 deputados votaram pela cassação do mandato da presidenta, com discursos que nada tinham a ver com as tais pedaladas fiscais. Causou espécie ver o presidente da Casa, réu por decisão unânime do STF, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro, pedir pena máxima para a presidenta, a perda do seu mandato. Tudo isso se realizou com o beneplácito do Poder Judiciário, que somente depois do serviço sujo realizado por Cunha, resolveu afastá-lo, limpando, portanto, a cena do crime.
A solidariedade das mulheres à presidenta Dilma não é automática, por ela também ser uma mulher. Influencias ideológicas conservadoras ou emancipacionistas, disputam o imaginário feminino. Algumas mulheres surgem como força auxiliar dos mentores do impeachment, movidas por interesses auto-reverenciados ou até por subserviência a seus tutores. A advogada Janaína Paschoal, que subscreve o pedido de impeachment, nos estarrece com suas pregações carregadas de metáforas misóginas contra a presidenta. A deputada Raquel Muniz discursou expressando uma indignação cênica contra a corrupção; disse sim ao impeachment e dedicou seu voto ao marido, que no dia seguinte foi preso por crime de corrupção.
Já as deputadas Jandira Feghalli, Luiza Erundina, Alice Portugal, Benedita da Silva, Luciana Santos, e outras, combateram discursos e práticas machistas; defenderam o Estado democrático de direito com maestria. Vozes se ergueram, dentro e fora do país. Grandes jornais mundo a fora não passaram recibo, denunciaram o golpe em curso. A Cepal, a OEA e outros organismos internacionais também se pronunciaram na mesma linha. A ONU Mulheres condenou a banalização da violência de gênero e os ataques sexistas praticados contra Dilma.
Golpe?! Não vale a pena ver de novo! A crônica desse momento está sendo escrita pelos registros invisíveis da história. No futuro tudo virá à tona. O opaco vice-presidente Michel Temer é a face da traição, que não pode ser recompensada com a faixa presidencial. A primeira mulher eleita presidenta do Brasil reclama justiça. A omissão significa um autorizo à ascensão das velhas e insaciáveis raposas; o país dirigido pela estupidez e truculência dos sem votos. Há que se preservar o mandato de Dilma até 2018. E, se o golpe passar, que seja exigida a realização de plebiscito sobre a antecipação das eleições presidenciais. Afinal, mais forte são os poderes do povo!
Olívia Santana é Secretária de Políticas para as Mulheres da Bahia

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