A falsa
horizontalidade das manifestações mediadas pelas redes sociais
Carolina Maria Ruy, portal Vermelho www.vermelho.org.br
No intenso e desgastante debate sobre se manifestantes deveriam
tomar as ruas, mesmo durante a pandemia, não faltam aqueles que alegam que não
podemos apenas ficar em casa nos comunicando pelas redes sociais. Existe, nesta
acusação, uma grande confusão entre a necessidade de ficar em casa, o que
impulsiona os manifestantes a irem para as ruas e o papel das redes sociais.
Importante deixar claro que
defendo que lutar contra o Bolsonaro hoje é lutar pela quarentena, pelo
isolamento social, pela vida, e não sair para rua e dar os braços para a morte.
Existem formas e formas de protestar. Causar aglomeração hoje, só ajuda o
desgoverno fascista.
Dito isso, quero me ater à
questão das redes sociais e como sua influência vai para muito além do nosso
sofá.
É um engano pensar que atos como o que ocorreu dia 31 de maio,
na Avenida Paulista, dispensam as redes sociais. Não só não dispensam, como
estão tão ou mais amarradas a elas quanto quem “ficou apenas em casa”. Isso
porque estas manifestações sem liderança política conhecida e organizada são,
justamente, resultado da ampla abrangência das articulações virtuais. Elas são
organizadas, infladas, repercutem e geram engajamento através de postagens e
viralizações.
Não é algo ruim em si. Não
compreender esse mecanismo é o problema. Problema porque as manifestações
organizadas desta forma sustentam uma aura de espontâneas, voluntárias e sem
intermediários, quando, na verdade, são intermediadas por empresas como
Facebook e Twitter. Isso é uma grande armadilha, uma vez que reforça a campanha
de negação e desmoralização dos partidos e movimentos sociais, sobretudo o
movimento sindical, travada com afinco pelo establishment.
Assistimos aqui no Brasil, em 2013, um
fenômeno inédito no qual milhões de brasileiros foram para as ruas. Se
inicialmente o protagonismo pode ser atribuído ao Movimento Passe Livre, em
algum momento a situação fugiu do controle, passando a consistir em um
movimento horizontal sem nenhuma liderança. Assim como no Brasil, os Coletes
Amarelos, na França, os grandes levantes no Chile, etc, estão concatenados pelo
potencial que se abriu com a disseminação dos smartphones e aplicativos de
comunicação. É perigoso, entretanto, prescindir de comando, experiência e
planejamento. Tanto é perigoso que, a despeito da grandiosidade destes eventos,
o que se verificou desde 2013 não foi a ascensão de governos populares. Pelo
contrário, o que cresceu foi uma direita retrógrada e fascista que pensávamos
que estava enterrada desde a redemocratização de 1985.
Esta falsa horizontalidade reforçada pelas facilidades
proporcionadas pela internet atende, desta forma, à um projeto de destruição de
instituições democráticas e sociais que tradicionalmente organizam e reportam
manifestações populares. Tais instituições, que abrangem os partidos, os
sindicatos, a imprensa, os poderes, entidades de classe, etc, devem ser
questionadas, criticadas e aprimoradas sim, mas devem, antes de tudo, ser
assimiladas e apropriadas pelo povo, não destruídas.
Elas são mais representativas
uma vez que baseiam suas ações em um grande debate interno e em um constante
processo de construção. Por isso mesmo não podem valer-se de soluções
apressadas e enganosas. As redes sociais, por sua vez, com sua infinita
capacidade de produção de manifestações, não assumem compromissos políticos e
sociais.
O jogo fica claro quando, no
dia 31 de maio, início das mega manifestações nos EUA em protesto ao
assassinato de George Floyd, o dono do Facebook, Marck Zuckerberg, lançou uma
nota de apoio aos protestos em sua página oficial e, por outro lado, foi
permissivo com relação às declarações inflamadas do presidente Donald Trump,
mesmo após o Twitter ter adicionado etiquetas aos tuítes de Trump, dizendo que
ele estava incitando a violência ou fazendo declarações falsas. Isso confirma
uma prática, apontada por Julian Assange no livro Quando o Google encontrou o
Wikileaks, de manter relações com todos os lados envolvidos.
Concluo que não podemos nos dar ao
luxo de abrir mão da internet como uma poderosa ferramenta de organização, comunicação
e ação política, mas precisamos ter o senso crítico necessário para sermos
apenas consumidores e não nos deixar consumir por ela.
Intolerância para quê? https://bit.ly/3eQE5WQ
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