Esse tal de home office
Cícero Belmar*
O “gênio” que infectou o mundo
com a ideia do home office, com certeza, acendeu uma vela para o diabo e a
outra para o diabo, também. Isso ficou óbvio nessa pandemia. É verdade que a
modalidade de trabalho garante maior produtividade, mas é mentira que promove
qualidade de vida. É verdade que permite otimização e economia para as
empresas, mas é uma mentira deslavada que o trabalhador termina se beneficiando
e aproveitando mais o seu dia.
Começo
esta crônica nesse tom pesado, mas não podia ser diferente. O meu amigo
Alexandre Furtado é professor e escritor. Ele passa pela mesma situação que eu,
nessa pandemia, de fazer trabalho em casa. Me ligou e disse: “Home office é a
máscara do capitalismo”. Achei a frase perfeita. Esse tal de trabalho remoto,
ou como queiram, é uma máscara, sim! No pior sentido, aquele do disfarce de
propósitos.
Alexandre,
assim como eu, somos vítimas dessa força de trabalho que virou moda desde que o
isolamento social passou a ser regra. Constatamos que aproveitaram a pandemia
para nos submeter a agressões aos Direitos Humanos. Andam dizendo por aí que
home office é uma tendência das futuras relações de trabalho. Mas, a minha
sensação é de que estamos fazendo o papel de ratinho de laboratório para a
flexibilização da legislação trabalhista.
Por
isso, concordo plenamente com meu amigo. É máscara do capitalismo, sim, máscara
enquanto peça que se usa para encobrir as verdades de um rosto. O capitalismo
nos vende uma imagem pegando carona no discurso de que a covid-19 vai nos
exigir um novo normal. E que o home office seria um exemplo desse novo normal.
Por isso, quando disserem a você que se trata de um estilo de trabalho legal,
que evita o estresse do deslocamento, e que vai lhe permitir dedicar mais tempo
à família ou a outras atividades, não acredite.
Num
primeiro ponto a ser considerado, trabalhar em casa não significa estar à
disposição do empregador a qualquer hora. Mas, é o que está acontecendo. A
inexistência de controle de jornada não significa, contudo, a inexistência de
jornada. Esse é apenas um dos problemas, pois através do teletrabalho perde-se
a noção da hora. E as tarefas se prolongam. Enquanto a pandemia não terminar,
nossos problemas também não.
Problema
número dois: parece até que nos colocaram nessa história para aumentar a
intensidade do serviço que realizamos. Estamos trabalhando sem políticas
protetivas claras ou bem definidas. Nos jogaram nessa onda sem estarmos prontos
para ela. Não estávamos preparados para este novo modelo de gestão e tivemos
que engolir esse abuso de goela a baixo. E número três: trabalhamos para dedéu
e não há um apontamento de hora extra.
Alexandre
está coberto de razão. Existem máscaras e máscaras nesta pandemia. As que são
eficazes para achatar a curva da transmissão do vírus são super recomendáveis.
Devemos usá-las sempre que estivermos em público. Mas, home office é o disfarce
sofisticado das classes dominantes para nos manter na senzala; e nós precisamos
falar sobre isso.
*Cícero Belmar é
escritor e jornalista. Autor de contos, romances, biografias, peças
de teatro e livros para crianças e jovens. Membro da Academia Pernambucana
de Letras.
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