Área de Ciência e Tecnologia sofre com cortes maiores no orçamento de
2021
Valor
Econômico
No projeto de lei orçamentária enviado pelo governo
ao Congresso, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) foi um dos
mais sacrificados da Esplanada. A verba total proposta para a pasta em 2021 é
de R$ 8 bilhões, queda de 31,69% na comparação com a inicialmente prevista para
este ano, de R$ 11,8 bilhões, quando houve dificuldade para pagar bolsas de
pesquisa por órgãos subordinados, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq).
Especialistas e ex-ministros da pasta ouvidos pelo
Valor apontam desmonte do sistema de Ciência e Tecnologia do país. Eles
divergem sobre a possibilidade do montante retirado do MCTI encontrar
finalidade semelhante dentro do orçamento do Ministério da Defesa, a ser
reforçado em 2021 para acomodar o aumento de gastos com pessoal com a reforma
da carreira militar, mas, também, arcar com os chamados projetos estratégicos,
com carga tecnológica.
Exemplos de iniciativas militares com maior dotação
prevista para 2021 são o programa de desenvolvimento de submarinos e de
tecnologia nuclear da Marinha, que juntos receberão R$ 476 milhões; a aquisição
de aeronaves de caça e sistemas da Aeronáutica (FX-2), que terá mais R$ 500
milhões; além da aquisição do tanque blindado Guarani e despesas maiores om o
Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) pelo Exército. A
economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fernanda De Negri
diz que as restrições ao MCTI serão ainda maiores devido à reserva de
contingência. Por causa do mecanismo, no atual exercício até setembro, só foram
pagos 37% do previsto para ações do ministério. Em 2021, diz Fernanda, o
montante que o governo pretende travar para a pasta chega a R$ 4,9 bilhões,
mais de 60% do total previsto.
Estariam garantidos à pasta, portanto, cerca de R$ 3,1 bilhões. Excluídas despesas obrigatórias, como salários, a reserva de contingência, e valores que dependeriam de aprovação do Congresso por quebrarem a regra de ouro, sobrará R$ 1,5 bilhão para as chamadas despesas discricionárias (custeio e investimentos). “É o menor orçamento em décadas”, diz Fernanda. A maior parte do contingenciamento (R$ 4,2 bilhões), incide sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com expectativa de arrecadação acima dos R$ 5 bilhões. Alimentado por 14 fundos setoriais, o FNDCT é gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que aplica os recursos em pesquisa e inovação em universidades e empresas. “CNPq e FNDCT têm os maiores orçamentos discricionários do ministério. Por isso serão os mais afetados. O Fundo já vinha sofrendo e, dessa vez, o maior tombo será do CNPq, que perderá mais da metade do orçamento”, diz Fernanda. A verba livre do FNDCT, que já superou R$ 4 bilhões, caiu seguidamente, para R$ 850 milhões em 2019, R$ 600 milhões este ano e aos R$ 510 milhões previstos para 2021.
Para o CNPq, o orçamento se manteve na faixa dos R$
1,2 bilhão em 2019 e 2020, mas cairá para R$ 560 milhões em 2021. Celso
Pansera, ministro no governo Dilma Rousseff, diz que 2021 será o quinto ano
seguido de queda no número de bolsas científicas pagas pelo governo. O país
tinha 105 mil vínculos desse tipo em 2015, número que caiu para 84 mil neste
ano e deve recuar ainda mais em 2021. Pansera alerta para o “desmame
silencioso” dos laboratórios do país. “De um lado vai faltar cientista e, do
outro, infraestrutura. No médio prazo, significa desmontar o sistema que o Brasil
levou anos para construir.” Presidente da Academia Brasileira de Ciências
(ABC), Luiz Davidovich diz que muitos mestrandos e doutorandos tiveram
problemas para finalizar as teses devido à pandemia. “Se bolsas forem
prorrogadas sem orçamento maior, haverá problemas para honrá-las e não haverá
novos editais. Há risco de alunos deixarem as formações sem concluírem as
teses.”
Na contramão, uma das cinco pastas que receberam
acréscimos no orçamento discricionário foi o Ministério da Defesa, (+16,8% ou
mais R$ 1,7 bilhão). Nessas verbas se inscrevem a maior parte dos gastos com
programas de modernização do aparato militar com novas tecnologias.
Para Pansera e Davidovich, esse aumento em
tecnologia militar não substitui o desenvolvimento em universidades e institutos
federais. Ex-ministro das duas pastas, Aldo Rebelo diz ser impossível o MCTI
dar continuidade às suas ações com o orçamento previsto, mas não reprova o
aumento de repasses maiores à Defesa. “As ações do CNPq sempre tiveram senso de
continuidade acima de qualquer governo. Mas isso está se perdendo e o resultado
será o descolamento imediato do Brasil das pesquisas realizadas mundo afora”.
Sobre o acúmulo de tecnologia militar, Rebelo lembra que os projetos militares
podem ter aplicações civis. Fernanda, do Ipea, não discorda, mas observa que
essa transferência ainda é incipiente no Brasil, devido à falta de integração
clara.
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