04 setembro 2020

Menos ciência


Área de Ciência e Tecnologia sofre com cortes maiores no orçamento de 2021
Valor Econômico

No projeto de lei orçamentária enviado pelo governo ao Congresso, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) foi um dos mais sacrificados da Esplanada. A verba total proposta para a pasta em 2021 é de R$ 8 bilhões, queda de 31,69% na comparação com a inicialmente prevista para este ano, de R$ 11,8 bilhões, quando houve dificuldade para pagar bolsas de pesquisa por órgãos subordinados, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Especialistas e ex-ministros da pasta ouvidos pelo Valor apontam desmonte do sistema de Ciência e Tecnologia do país. Eles divergem sobre a possibilidade do montante retirado do MCTI encontrar finalidade semelhante dentro do orçamento do Ministério da Defesa, a ser reforçado em 2021 para acomodar o aumento de gastos com pessoal com a reforma da carreira militar, mas, também, arcar com os chamados projetos estratégicos, com carga tecnológica. 

Exemplos de iniciativas militares com maior dotação prevista para 2021 são o programa de desenvolvimento de submarinos e de tecnologia nuclear da Marinha, que juntos receberão R$ 476 milhões; a aquisição de aeronaves de caça e sistemas da Aeronáutica (FX-2), que terá mais R$ 500 milhões; além da aquisição do tanque blindado Guarani e despesas maiores om o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) pelo Exército. A economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Fernanda De Negri diz que as restrições ao MCTI serão ainda maiores devido à reserva de contingência. Por causa do mecanismo, no atual exercício até setembro, só foram pagos 37% do previsto para ações do ministério. Em 2021, diz Fernanda, o montante que o governo pretende travar para a pasta chega a R$ 4,9 bilhões, mais de 60% do total previsto.

Estariam garantidos à pasta, portanto, cerca de R$ 3,1 bilhões. Excluídas despesas obrigatórias, como salários, a reserva de contingência, e valores que dependeriam de aprovação do Congresso por quebrarem a regra de ouro, sobrará R$ 1,5 bilhão para as chamadas despesas discricionárias (custeio e investimentos). “É o menor orçamento em décadas”, diz Fernanda. A maior parte do contingenciamento (R$ 4,2 bilhões), incide sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com expectativa de arrecadação acima dos R$ 5 bilhões. Alimentado por 14 fundos setoriais, o FNDCT é gerido pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que aplica os recursos em pesquisa e inovação em universidades e empresas. “CNPq e FNDCT têm os maiores orçamentos discricionários do ministério. Por isso serão os mais afetados. O Fundo já vinha sofrendo e, dessa vez, o maior tombo será do CNPq, que perderá mais da metade do orçamento”, diz Fernanda. A verba livre do FNDCT, que já superou R$ 4 bilhões, caiu seguidamente, para R$ 850 milhões em 2019, R$ 600 milhões este ano e aos R$ 510 milhões previstos para 2021.

Para o CNPq, o orçamento se manteve na faixa dos R$ 1,2 bilhão em 2019 e 2020, mas cairá para R$ 560 milhões em 2021. Celso Pansera, ministro no governo Dilma Rousseff, diz que 2021 será o quinto ano seguido de queda no número de bolsas científicas pagas pelo governo. O país tinha 105 mil vínculos desse tipo em 2015, número que caiu para 84 mil neste ano e deve recuar ainda mais em 2021. Pansera alerta para o “desmame silencioso” dos laboratórios do país. “De um lado vai faltar cientista e, do outro, infraestrutura. No médio prazo, significa desmontar o sistema que o Brasil levou anos para construir.” Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich diz que muitos mestrandos e doutorandos tiveram problemas para finalizar as teses devido à pandemia. “Se bolsas forem prorrogadas sem orçamento maior, haverá problemas para honrá-las e não haverá novos editais. Há risco de alunos deixarem as formações sem concluírem as teses.”

Na contramão, uma das cinco pastas que receberam acréscimos no orçamento discricionário foi o Ministério da Defesa, (+16,8% ou mais R$ 1,7 bilhão). Nessas verbas se inscrevem a maior parte dos gastos com programas de modernização do aparato militar com novas tecnologias.

Para Pansera e Davidovich, esse aumento em tecnologia militar não substitui o desenvolvimento em universidades e institutos federais. Ex-ministro das duas pastas, Aldo Rebelo diz ser impossível o MCTI dar continuidade às suas ações com o orçamento previsto, mas não reprova o aumento de repasses maiores à Defesa. “As ações do CNPq sempre tiveram senso de continuidade acima de qualquer governo. Mas isso está se perdendo e o resultado será o descolamento imediato do Brasil das pesquisas realizadas mundo afora”. Sobre o acúmulo de tecnologia militar, Rebelo lembra que os projetos militares podem ter aplicações civis. Fernanda, do Ipea, não discorda, mas observa que essa transferência ainda é incipiente no Brasil, devido à falta de integração clara.
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