Voto distrital misto: uma proposta equivocada e inoportuna
Luciano Siqueira
Em meio ao emaranhado de proposições sobre a sempre abortada reforma política, que tramitam anos a fio, onde pontificam uma síntese sistematizada por uma Comissão Especial da Câmara e a recente proposta fatiada apresentada pelo governo, o deputado Roberto Magalhães acrescentou dias atrás uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para estabelecer o voto distrital misto na eleição de deputados federais (conforme noticiou o Jornal do Commercio). O eleitor passaria a escolher seus parlamentares votando duas vezes: num candidato vinculado a um dos distritos do Estado – a serem criados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, e numa lista preordenada de candidatos proporcionais, que podem ser votados em todo o Estado.
Desse modo, seria eleito um deputado pelo distrito, aos moldes de uma eleição majoritária. E outro ganharia a vaga pelo atual sistema proporcional, conforme o cálculo de votos recebidos pelo total de candidatos do partido.
Na justificativa, as intenções são boas. Mas na prática, se tal fórmula viesse a ser adotada seria um retrocesso.
Pela proposta do deputado, pelo menos a metade dos representantes do estado à Câmara seria produto de um pleito majoritário no qual, é óbvio, pesaria – como pesa hoje – principalmente o poder econômico. Haveria uma distorção da vontade dos eleitores e uma redução drástica da representação das minorias, ainda que alcançassem votações expressivas. Por exemplo: um partido que obtivesse 51% dos votos em 10 distritos teria as 10 cadeiras no Parlamento, ao passo que o outro partido que obtivesse 49% dos votos não terá nenhuma cadeira.
Como assinala o ex-deputado Aldo Arantes em artigo na revista Princípios, tal distorção se expressou, por exemplo, em 1974 na Inglaterra, onde o Partido Liberal obteve 19,3% dos votos e ficou somente com 2,2% das cadeiras da Câmara dos Comuns. Esse sistema majoritário (distrital), com variações, é adotado nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Inglaterra e França. Tem suas raízes na concepção medieval de representação territorial. Desde o século XIII os delegados dos condados eram convocados pelo rei da Inglaterra para dar seu consentimento aos novos impostos a serem cobrados.
No atual sistema proporcional, o número de parlamentares eleitos é proporcional à quantidade de votos obtidos, de modo que um partido que obtiver 30% dos votos conquistará aproximadamente a representação de 30% dos parlamentares. Além do Brasil, é praticado em países como a Áustria, Suécia, Dinamarca, Islândia, Irlanda, Holanda, Suíça, Finlândia, Israel, Portugal, Bélgica, Noruega, Luxemburgo, Grécia e Espanha.
Já tivemos o voto distrital em nosso país durante 70 anos, no Império e na República Velha. Foi com a Revolução de 1930 que se implantou o sistema proporcional e mais tarde, em 1946, virou norma constitucional.
No regime militar a partir de 1964, houve várias tentativas de introduzir o voto distrital misto, a exemplo da Emenda Constitucional n. 22, de junho de 1982, editada pelo general Figueiredo, mas sem conseqüência prática.
Na resistência democrática, Tancredo Neves afirmava que o voto proporcional favorece reivindicações populares e combate o imobilismo, enquanto que o sistema distrital misto fere, distorce e dificulta a democracia. Constrói um sistema autoritário.
Com todo o respeito que temos pelo deputado Roberto Magalhães, consideramos sua proposta equivocada e inoportuna. Em nada contribui para viabilizar uma reforma política de sentido democratizante. www.lucianosiqueira.com.br
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