08 maio 2009

Artigo semanal no site da Revista Algomais

A constrangedora evasão de eleitores
Luciano Siqueira

A “regra é clara”, como diz um comentarista de futebol, sem título de eleitor o cidadão não pode participar de concurso público, ocupar cargos em órgãos governamentais, freqüentar instituição de ensino oficial, perceber proventos de fundações, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, sustentada por recursos oriundos do poder público. Nem pode obter passaporte ou carteira de identidade e outras tantas coisas que fazem parte do seu cotidiano.

Por que então mais de meio milhão - 0,43% do total do eleitorado do país, que totaliza 128.808.358 - de títulos de eleitores acabam de ser cancelados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de brasileiros que não compareceram às urnas nem justificaram a ausência nas últimas três eleições?

Talvez não se possa responder de imediato. Cabe uma análise apurada, além das estatísticas.

Qual o percentual de títulos cancelados por motivo de falecimento dos seus detentores? Como se justifica que, em termos absolutos, segundo os dados do TSE, seja no estado de São Paulo que se verifica o maior número de cancelamentos de títulos (145.494)?

É certo que quem perdeu o título pode recuperá-lo desde que apresente RG e comprovante de residência, e pague multa de R$ 3,50 por turno em que houve falta.

Tudo bem. Mas certamente vale especular sobre até que ponto uma boa parcela desses eleitores desistentes não reflita um certo desencanto com a política, sobretudo aqueles sobre cuja rotina de vida não pesem as restrições decorrentes da perda do título eleitoral. Refiro-me a uma parcela da população excluída do sistema produtivo e do acesso empregatício em instituições públicas, habitante de ambientes urbanos, inserida na economia informa; e não alcançados pela teia do fisiologismo. Quem sabe aí não resida uma parcela considerável de descontentes influenciados pelo noticiário nada honroso a respeito das instituições e dos detentores de cargos públicos.

Precipitada a especulação? Pode ser. Mas tem sustança, como diz o matuto, porque o valor do título eleitoral e do ato de votar anda muito depreciado aos olhos do cidadão comum, instado a descrer de tudo e de todos nesse tempo de muita denúncia e improcedente generalização acerca da conduta de cidadãos e cidadãs que representam o interesse público no parlamento e nos governos.

Daí a oportunidade de se analisar atentamente os números do TSE e de se buscar as causas do fenômeno, que, à primeira vista, surpreende e inquieta.
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