Movimento de Cultura Popular, 50 anos
Luciano Siqueira
Uma experiência marcante, rica em significados e lições. É o mínimo que se pode dizer sobre o MCP (Movimento de Cultura Popular), criado no Recife, na gestão do prefeito Miguel Arraes, há precisamente cinqüenta anos
O MCP tem um lugar na história política e cultural do Recife. (E na vida e na militância desse modesto escriba, que ainda adolescente atuou como voluntário no Programa Praças de Cultura, coordenado pela jovem pedagoga então recém formada Silke Weber). Ainda guardo na memória aquele ambiente que Paulo Rosas, meu tio e um dos fundadores, caracterizou como um “clima quase místico dominante, pela crença no potencial humano brasileiro e nordestino, sem ufanismos, sem milagrices, e que até certo ponto decorreu daquela esperança que Miguel Arraes despertava”.
O MCP combinava a difusão das manifestações da arte popular regional com a alfabetização de crianças e adultos. Pretendia elevar o nível de consciência política do povo e estimulá-lo à luta transformadora. E para tanto reuniu parcela do que havia de mais expressivo no mundo da cultura, das artes e da academia em Pernambuco: o educador Paulo Freire, os escultores Abelardo da Hora e Francisco Brennand, os dramaturgos e escritores Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho, o pintor José Cláudio, o diretor de teatro Luis Mendonça, além de intelectuais progressistas de grande prestígio como Germano Coelho, Paulo Rosas, Aloísio Falcão, Anita Paes Barreto. A esquerda católica, comunistas, socialistas e trabalhistas compartilhavam no Sítio da Trindade – o antigo Arraial do Bom Jesus onde Matias de Albuquerque e seus conjurados montaram o quartel-general da Insurreição Pernambucana – um notável trabalho de mobilização sócio-cultural de sentido libertário.
No dizer de Germano Coelho, um dos seus fundadores e presidente, o MCP “nasceu da miséria do povo do Recife. De suas paisagens mutiladas. De seus mangues cobertos de mocambos. Da lama dos morros e alagados, onde crescem o analfabetismo, o desemprego, a doença e a fome. Suas raízes mergulham nas feridas da cidade degradada. Fincam-se nas terras áridas. Refletem o seu drama como “síntese dramatizada da estrutura social inteira”.
Registra-se que o MCP chegou a ter matriculados 20.000 alunos divididos em mais de seiscentas turmas, distribuídos entre duzentas escolas isoladas e grupos escolares; uma rede de escolas radiofônicas; um centro de artes plásticas e artesanato, com cursos de cerâmica, tapeçaria, tecelagem, cestaria, gravura e escultura; mais de 450 professores e 174 monitores de ensino fundamental, supletivo e educação artística; uma escola para motoristas-mecânicos; cinco praças de cultura, com bibliotecas, cinema, teatro, música, tele-clube, orientação pedagógica, recreação e educação física; um Centro de Cultura círculos de cultura; uma galeria de arte (a Galeria de Arte do Recife); e um grupo teatral.
Com o golpe militar, dois tanques de guerra e tropa armada de baionetas e fuzis do Exército, que cercaram o Sítio da Trindade em 31 de Março, apreenderam e destruíram os arquivos e todo o acervo do Movimento, no afã de sepultar o que aos olhos da elite reacionária local parecia a semente de uma insurreição revolucionária. www.lucianosiqueira.com.br
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