Fome impõe a superação do sistema injusto
Luciano Siqueira
Publicado no Jornal da Besta Fubana
A Federação Internacional da Cruz Vermelha (FICV) anuncia em relatório que a fome atinge 1 bilhão de pessoas por dia. Uma calamidade perfeitamente evitável. Pois ao longo do tempo a Humanidade aprendeu a lidar com a natureza e a extrair dela os suprimentos necessários à sua sobrevivência. Daí o dramático paradoxo: produzem-se alimentos suficientes para suprir os quase 7 bilhões de habitantes da Terra, porém a cada dia um bilhão de homens, mulheres e crianças padecem da fome.
E é um mal que atinge não apenas regiões mais atrasadas, como zonas rurais da África Subsaariana e na região da Ásia Pacífico. Atinge áreas urbanas, inclusive em países considerados desenvolvidos. Nem os EUA escapam.
As crianças são as principais vítimas: 9 milhões morrem anualmente antes de completar os cinco anos de idade. Cerca de 178 milhões na faixa de idade entre zero e cinco anos têm o seu o desenvolvimento psicomotor afetado por deficiência na alimentação.
O contraste entre um bilhão de pessoas em situação de desnutrição crônica convivendo com 1,5 bilhão de pessoas sobrealimentadas é a denúncia viva de um mundo desigual e injusto.
O relatório da FICV, no entanto, não vai à raiz do problema. Questiona políticas de subsídios a agricultura e reclama mais investimentos em pesquisa científica.
Programas governamentais incentivados pela ONU amenizam o problema. Mas não o resolvem. Mas fazem sentido. Têm sua serventia como paliativos. E serão mais eficientes se combinarem a ação concreta com a suscitação do debate em torno do problema. Não basta oferecer o sopão, como vemos nas noites recifenses em bairros periféricos. É preciso despertar no faminto a consciência de que sua situação indigente poderia ser evitada e fazê-lo sentir-se sujeito de direitos. Mais: ajuda-lo a compreender as razões pelas quais o direito fundamental à alimentação lhe é interditado – e, assim, se descobrir agente da transformação social.
Compreender que o sistema social e econômico imperante – o capitalismo -, fundado na apropriação privada da riqueza socialmente produzida, incrementa a partilha desigual do que é produzido, impõe condições absolutamente injustas de subsistência à maioria dos habitantes do planeta. Vencer a fome implica em superar esse sistema.
Não é fácil. Atribui-se a Napoleão Bonaparte a afirmação de que o caminho para o cérebro passa pelo estômago. E à sabedoria popular a assertiva de que a fome é a pior conselheira. Difícil racionar com fome. Difícil reagir em estado de subnutrição crônica. Falta elã, esperança, vontade. Mas vale tentar. E, sobretudo, mobilizar a consciência e a força dos que sobrevivem do próprio trabalho – vanguarda da transformação social.
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