16 junho 2020

Fantasias e vida real

Capitalistas brasileiros na pandemia
José Luís Simões*

A pandemia do novo coronavírus trouxe muitas perdas, traumas e tristezas ao povo brasileiro. Em meados de junho de 2020, mais de 40 mil vidas foram ceifadas pela Covid-19 e, infelizmente, as projeções são preocupantes.

Mas discuto aqui um fato novo. Os capitalistas e milionários do país abandonaram, temporariamente, o discurso do Estado mínimo. Agora, parte da elite econômica do Brasil exige um Estado forte, uma espécie de “socialismo para os ricos”.

Os capitalistas querem acesso a recursos do BNDES, com juros baixos e prazos a perder de vista. Eles fazem o que sempre fizeram: a luta pela aquisição de capitais, e a desqualificação de qualquer outro modo de produção que dificulte acumulação de lucros.

A mente capitalista se preocupa, em primeiro lugar, com lucros e dividendos. “A economia não pode parar por conta de 5 ou 7 mil mortes", disse um grande empresário, em março de 2020, logo no início da quarentena. O negócio dele exige clientes na rua, em circulação e na frequência constante de sua rede fast food.

A tese do capitalista é simples: se o perigo da morte pela Covid-19 não me atinge, então, não quero a economia estagnada. Ou seja, os capitalistas revelam individualismo e mesquinhez diante de um problema de saúde pública. Ora, quem esperava solidariedade e humanismo de pessoas individualistas, que são indiferentes às injustiças sociais e tratam as próprias empregadas domésticas como pessoas de segunda categoria?

De repente, parte das elites econômicas descobriu a importância do SUS e da renda mínima para os desempregados e trabalhadores informais, os que mais sofrem com a perda de renda durante a pandemia.

Amartya Sen, prêmio Nobel de economia em 1998, há muito tempo chama atenção das autoridades mundiais acerca da necessidade de garantir uma renda básica de cidadania para cada ser humano, se quisermos extinguir a fome no planeta. Mas a lógica capitalista e o individualismo não se preocupam com isso. A exclusão e a miséria de muitos são consequências do excesso de lucros, luxo e sofisticação para poucos.

Em suma, o capitalismo não é solidário ou humanista. Contudo, no Brasil, os grandes empresários descobriram um bom negócio na "solidariedade". Além de se alinhar com o apelo social do momento, ganham publicidade gratuita e desconto na carga tributária. Mas por que os capitalistas apoiaram a reforma trabalhista, que extirpou direitos dos trabalhadores? Por que só agora se mostram solidários com o povo?

O capitalismo no Brasil é surreal, parece novela da Globo. Até o sujeito pobre, que trabalha como ambulante ou faz seu cadastro como microempreendedor individual se sente capitalista, empresário. O sonho de se tornar patrão deixa míope a visão do que seria óbvio: o modo de produção capitalista se alimenta e se fortalece com a desigualdade e o fosso social entre ricos e pobres.

O trabalhador de baixa qualificação está na berlinda, mal consegue manter alimentação e honrar contas de água e energia elétrica. Se lança nas enormes filas em frente à Caixa Econômica Federal, numa aventura moderna em busca dos 600.

Bestializados, assim ficam os verdadeiros capitalistas no Brasil, diante da pandemia e da conclusão óbvia que enfrentam: só o aparelho estatal, que tem a prerrogativa legal de cobrar impostos e organizar a sociedade, tem capacidade de reagir e salvar o povo, inclusive os negócios dos próprios capitalistas.

O capitalista brasileiro na pandemia é hilário. Se mostra solidário e defende mais ação do Estado. Um militante terraplanista, que pede a volta do AI-5 e compra a sementinha santa que cura a Covid-19, certamente diria que os capitalistas no Brasil estão convertidos ao comunismo.

*José Luís Simões é professor do Centro de Educação/UFPE

A insensibilidade tem limites https://bit.ly/2XxXGFo

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