A (in)desejáel reforma política
Luciano Siqueira
A notícia é de ontem e contém um paradoxo e um erro tático. O governo sugere mudanças contraditórias na lei eleitoral e partidária e deseja que o Congresso trate por partes, e não como um conjunto uno e coerente, a reforma política.
Qual reforma? Um misto de avanço democrático e de restrição ao pluralismo que reflete a complexidade da sociedade brasileira. Este é o paradoxo.
O financiamento público de campanhas e o voto em listas partidárias pré-definidas viriam lado a lado com quebra da liberdade de coligações para eleições proporcionais e cláusula de barreira para reduzir o número de partidos.
O financiamento público de campanhas é mais do que necessário como meio de coibir relações promíscuas entre grupos econômicos e governantes e parlamentares, raiz de muitos casos escandalosos que com freqüência ocupam o noticiário.
O voto em listas partidárias pré-estabelecidas transfere o foco do voto em personalidades individuais para programas partidários. Contribui para a elevação da consciência política do eleitorado, fortalece partidos política e ideologicamente definidos.
Já a restrição da liberdade dos partidos firmarem alianças para disputas proporcionais engessa a possibilidade do exercício livre da busca de convergências e, por extensão, o amadurecimento de legendas ainda frágeis.
A cláusula de barreira é uma excrescência oriunda do regime militar, que assim mesmo no período ditatorial jamais teve condições de vigorar. Impede, na prática, a existência plena de partidos políticos que embora pequenos refletem a realidade social multifacética de um país de dimensões continentais. Impedir através de norma restritiva que agremiações como o Partido Verde, por exemplo, permaneçam presentes na cena política equivale a calar a voz de uma corrente de idéias que tem determinada base social.
Partidos políticos se firmam ou desaparecem através do crivo popular, em sucessivas eleições e embates na sociedade. Querer restringi-los por meio de regras antidemocráticas é colidir com a realidade.
Quanto a encaminhar a (in)desejável reforma de maneira fatiada, pedaço a pedaço, “para contornar pontos polêmicos”, como teria afirmado o ministro José Múcio Monteiro, é cair na armadilha dos grandes partidos (inclusive o PT), que nessa matéria têm postura conservadora.
Na verdade, em condições normais de tempo e temperatura a reforma política deveria ser obra do parlamento, sem interveniência do poder executivo. No Brasil, historicamente, as relações entre o governo e o Congresso Nacional jamais se deram a base da autonomia mútua. Daí a reforma entrar na pauta do governo. Mas, na atual correlação de forças no Congresso, largamente favorável aos que desejam uma reforma restritiva, e sem que a sociedade esteja atenta ao assunto, a desejável reforma se torna indesejável e inoportuna. Aí está o erro tático do governo – que pode ter conseqüências nefastas.
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