Luis Fernando Verissimo
Quando o Eduardo Cunha alegou que não tinha mentido sobre suas contas na Suíça porque o que tem na Suíça não são contas, mas trustes que pode acessar como se fossem contas, e ninguém riu, ou perguntou se era certo um cínico declarado presidir a Câmara nacional ou comandar um movimento pelo impeachment da presidente da República, estava, sem querer, dando o mote destes dias. Tudo se resume numa questão de semântica.
Quando o Eduardo Cunha alegou que não tinha mentido sobre suas contas na Suíça porque o que tem na Suíça não são contas, mas trustes que pode acessar como se fossem contas, e ninguém riu, ou perguntou se era certo um cínico declarado presidir a Câmara nacional ou comandar um movimento pelo impeachment da presidente da República, estava, sem querer, dando o mote destes dias. Tudo se resume numa questão de semântica.
Dinheiro em trustes é a mesma coisa que dinheiro em contas? Questão de
semântica. O pretexto “oficial” para derrubar a Dilma é o uso das tais
pedaladas fiscais. Além da controvérsia sobre a legitimidade de governos
recorrerem ao recurso emergencial, tivemos o estranho caso do Tribunal de
Contas da União, que depois de um longo e profundo sono, do governo Getúlio
Vargas ao governo atual, durante o qual não julgou ou sequer examinou as contas
de nenhuma — nenhuma — administração, acordou justamente para julgar as contas
da Dilma, por coincidência. E desaprová-las, por nenhuma coincidência.
É na discussão das pedaladas que a semântica entra com mais força,
embora, a esta altura, não decida mais nada. O “crime” do qual a Dilma está
sendo acusada é crime ou não é crime, eis a questão. Se é crime, já é um crime
tradicional, no Brasil, onde vem sendo cometido através dos anos. Pena que o
TCU estivesse dormindo em vez de examinando as contas do governo Fernando
Henrique Cardoso, por exemplo, quando o recurso foi usado com abandono, apenas
com outro nome. Se pedalada não é crime, a Dilma é inocente como um, sei lá.
Como um Fernando Henrique. Mas é claro que as supostas manobras fiscais são
pretextos para um final que vem sendo urdido desde que o povo brasileiro teve a
audácia de dar mais votos para a Dilma do que para o Aécio. No dia seguinte às
eleições começava o movimento do impeachment. Ou o golpe. Questão, de novo, de
semântica.
Seria bom se as pessoas pudessem se encontrar, de vez em quando, com sua
própria posteridade. Olhar um espelho mágico e ver como ficou sua imagem na
História. Não tenho dúvidas de que muitos votarão pelo impeachment com
convicção e não se envergonharão do que fizeram. Mas muitos não escaparão de
ver ao seu lado, no espelho, a figura sorridente do Eduardo Cunha. Para sempre.
Luis Fernando Verissimo é
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