28 abril 2016

A história se repete

Dèjá vu golpista
José Bertotti*[foto]
A estarrecedora sessão de domingo, 17 de abril, da Câmara dos Deputados trouxe a tona um Brasil desconhecido para muitos. Alguns deles incautos, talvez, mas agora nenhum brasileiro pode ignorar a qualidade da maioria dos Deputados e Deputadas eleitos para essa legislatura de nosso Congresso Nacional, apontado pelo DIAP (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), desde o dia 7/10/2014, como um dos mais conservadores já eleitos desde a constituição de 1988.
Existiram, na história do Brasil, fatos como a Independência e a Proclamação da República oriundos, principalmente, de acordos da elite dirigente. Esses acordos substituíram a ordem vigente para adotar uma nova configuração institucional, significativos para o avanço de
nosso projeto civilizacional. Também conhecemos grandes movimentos populares que se rebelaram contra a ordem vigente que oprimia o povo e impulsionaram transformações e tomadas de posição de nossa nação como a abolição da escravatura, a posição adotada pelo Brasil contra o fascismo na segunda guerra mundial e a longa luta contra a ditadura militar de 1964.
A novidade é que depois da ditadura instaurada em 1964, que mergulhou o país num longo período de recuo social e cerceamento de debate, inclusive com a eliminação física dos seus opositores, emergiu uma sólida resistência democrática e social que culminou com um Congresso Constituinte e eleições diretas para coroar esse processo, elaborando uma constituição democrática com garantias coletivas e individuais que, agora sim, dariam continuidade, sob uma nova forma de governo, à construção dos avanços civilizacionais aspirados por milhões de brasileiros que condenam as imensas desigualdades que ainda dividem nossa sociedade e freiam nosso desenvolvimento.
O que se viu no último domingo foi a quebra de preceitos constitucionais. Um deles prevê harmonia e independência entre os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. No caso, o Poder Legislativo extrapolou o poder constitucional a ele conferido, qual seja o de admitir processo somente por crime de responsabilidade da pessoa que ocupa a Presidência da República. Indo além do estabelecido na Constituição Federal, decidiu naquela votação que falta de popularidade ou qualquer outro argumento estranho às previsões constitucionais poderiam se ruma alternativa para substituir as eleições presidenciais de 2014,conferindo a si mesmo,na prática, poderes de colégio eleitoral ilegítimo para constituir um novo presidente da República não eleito pelo povo.
Além disso, esse processo toma ares de “Teatro do Absurdo”, para usar expressão cunhada por Wagner Moura, quando acontece sob o comando de Eduardo Cunha. Ele, contrariado com a negativa da Presidenta Dilma Rousseff de participar de um acordo para barrar a cassação de seu mandato, instaurou, por ato discricionário seu, o processo de impeachment da Presidenta. Esse processo, se consumado, levará à Presidência da República o atual vice-presidente Michel Temer do PMDB, que ato contínuo na linha sucessória brasileira elevará a categoria de vice do Brasil nada menos do que o próprio Eduardo Cunha, também do PMDB. Eduardo Cunha,para quem não sabe, possui longa ficha corrida, com ocorrências nacionais e internacionais ainda não julgadas, nem pela Comissão de Ética da Câmara, manobrada por ele mesmo, nem pelo órgão guardião da constituição, o Supremo Tribunal Federal, que há 127 dias analisa pedido feito pela Procuradoria Geral da República de afastamento de Eduardo Cunha.
O sentimento de dèjá vu vem das razões alegadas por muitos com quem conversei sobre a ilegalidade do processo contra a Presidenta. Aqueles que apoiam sua saída afirmam que mesmo que ela não tenha cometido os crimes previstos para sua deposição existe a “necessidade de controlar a inflação e recolocar o país nos trilhos” justificativa parecida, senão idêntica,à usada pelos militares golpistas de 1964 para perpetrarem um golpe com conivência do Congresso Nacional da época, a fim de depor o Presidente João Goulart.
O fato é que uma quebra das regras estabelecidas por nossa jovem, talvez adolescente, democracia, para solucionar os novos e os velhos problemas de nossa sociedade, nos levará a um caminho já conhecido e que nos causou profundos traumas num passado recente. Milhares de brasileiros hoje se manifestam contra a Presidenta Dilma e outros a favor. Isso é normal. Nas eleições de 2014 ela sagrou-se vencedora por pequena diferença.
Nesse momento o que está em jogo não é somente o mandato da Presidenta Dilma, nossa democracia está ameaçada e por isso outros setores de nossa sociedade, inclusive aqueles que não votaram nela, levantam-se para defendê-la, em nome da democracia.
Espero que Karl Marx esteja certo quando diz que a história se repete primeiro como tragédia e pela segunda vez como farsa, por que se 1964 foi uma farsa, não quero ver a tragédia que nos espera.
*Presidente do PCdoB/Recife

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