Novo ciclo em
defesa da democracia, do Brasil e dos direitos do povo
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) divulga
resolução da Comissão Política Nacional nesta sexta-feira (15). O documento faz
uma avaliação do “novo ciclo político resultante das eleições de 2018 que
provocaram a ascensão à presidência da República da extrema-direita”.
Para o PCdoB, o desafio posto é unir “amplas forças
políticas, sociais, econômicas e culturais, do campo democrático, patriótico e
popular”, para se opor e derrotar a agenda do governo Bolsonaro.
Segue abaixo a íntegra da Resolução:
Um novo ciclo de lutas em defesa da democracia, do
Brasil e dos direitos do povo
1 – Uma viragem política de grande envergadura
A eleição de Jair Bolsonaro representa o término do
ciclo político iniciado em 1985, com o fim da ditadura militar, que teve na Constituição
de 1988 um marco da consolidação da redemocratização do país, da conquista de
direitos ao povo brasileiro, passando pela resistência ao neoliberalismo na
década de 1990, pelos avanços protagonizados pelos governos progressistas desde
2003 até o golpe jurídico-parlamentar de agosto de 2016.
Com o resultado da disputa político-eleitoral de
2018, abre-se um novo período político, marcado pelo ineditismo da ascensão,
desde 1985, de uma força de extrema-direita à presidência da República. Um
governo determinado a realizar, a ferro e fogo, uma agenda ultraliberal,
neocolonial e anticivilizacional. Tal feito representa uma derrota política,
ideológica e estratégica para o conjunto das forças progressistas, patrióticas
e democráticas, em especial as forças da esquerda política e social.
A eleição de Bolsonaro é resultante de múltiplas
causas. Faz parte, como se explicitará adiante, de um fenômeno mundial; além
disso, sua vitória foi respaldada pelo imperialismo estadunidense. No âmbito
interno, deriva de uma frente constituída pela ampla maioria das classes
dominantes, pelos monopólios econômicos e financeiros, e por um arranjo
político que coesionou a direita com setores do centro do espectro político
nacional. Sua campanha milionária mobilizou recursos materiais, ideológicos e
midiáticos, fazendo intensa “guerra digital”. A massiva distribuição de fake
news criou factoides e tirou do centro do debate eleitoral as
propostas e os projetos para o Brasil, manipulando a opinião pública e o
eleitorado. Eleitorado que por longo período foi alvo de intensa campanha
midiática que demonizou a política como um todo e desmoralizou sobretudo a
esquerda com o estigma da corrupção.
Teve ainda importante destaque no desfecho da
disputa eleitoral a participação ativa – e partidarizada – de expoentes do
Poder Judiciário e do aparato policial que, a partir da operação Lava Jato, tem
interferido intensamente nos rumos da política nacional.
Entretanto, apesar da derrota, na reta final da
disputa eleitoral formou-se em torno da chapa Fernando Haddad e Manuela D’Ávila
um amplo movimento cívico e democrático contra a candidatura de Bolsonaro que
obteve 47 milhões de votos.
Não se trata de um fenômeno isolado
A ascensão ao poder como a de Bolsonaro não é um
fato isolado, é a expressão brasileira desse fenômeno maior do crescimento de
forças de ultradireita ao redor do mundo. Este fato se desenvolve em um
complexo e intricado quadro de transformações do cenário internacional, onde a
crise do liberalismo e a questão nacional emergem com força.
Deste quadro se sobressaem a continuidade da crise
capitalista, as transformações no processo produtivo com a chamada 4ª revolução
tecnológica e uma luta intensa em torno do reordenamento do sistema
internacional.
O velho liberalismo político e econômico se
encontra em crise. O modelo de globalização neoliberal, regido pelo prisma da
financeirização, as medidas de austeridade implantadas como resposta à crise do
capitalismo, somadas às transformações produtivas decorrentes das inovações
tecnológicas, têm ampliado o fosso entre o capital e o trabalho, produzindo a
retirada de direitos e a desvalorização do trabalho e gerado uma enorme massa
de desempregados.
Em busca de saídas para enfrentar a crise e o
descarte da massa crescente dos deserdados – tidos como “imprestáveis” ao
capital nesta atual etapa –, as classes dominantes se encontram divididas. De
um lado, os que querem enfrentar a situação mantendo os fundamentos do
liberalismo político, ainda que enfraquecidos pela incompatibilidade crescente entre
neoliberalismo e democracia. De outro, o robusto número de países, onde forças
da extrema-direita já exercem o poder, ou parcela dele, revelando que frações
relevantes das classes dominantes aderiram ao extremismo de direita. Há, ainda,
outro polo, que apresentam como perspectiva para o enfrentamento do atual
quadro de crise da globalização liberal o fortalecimento de seus projetos
nacionais autônomos, como China e Rússia, e colocam no centro a luta pelo
desenvolvimento soberano e compartilhado e a defesa da paz.
É neste contexto de disputa em torno do
reordenamento do cenário internacional, que as potências imperialistas se
movimentam para conter a emergência de novos polos de poder. E, dentro dessa
chave, pode-se compreender a chamada guerra comercial deflagrada pelos EUA
contra a China.
De igual modo, é o que se observa com a adesão de
parcelas significativas das classes dominantes brasileiras ao projeto de
Bolsonaro. Para elas, se impõe a necessidade de um governo autoritário para
tornar realidade seu programa ultraliberal e neocolonial. Nesta mesma ótica,
somente um governo deste naipe seria capaz de produzir um novo alinhamento do
Brasil aos interesses dos Estados Unidos na arena internacional, contribuindo
para conter o processo de transição em curso.
A moldura internacional que contribuiu para a
vitória de Bolsonaro se completa com um contexto regional, no qual a América
Latina se transformou em um laboratório de experimento do imperialismo, do uso
do poder Judiciário com fins políticos, com vistas a conter processos políticos
direcionados a promover a democracia, o desenvolvimento soberano e os direitos
sociais.
2 – O caráter do governo Bolsonaro
A eleição de Bolsonaro instaura um novo ciclo
político no país. E os traços iniciais de sua gestão comprovam que seu governo
é de caráter autoritário na política, ultraliberal na economia, retrógrado nos
costumes e com forte viés neocolonialista.
Trata-se de uma aliança entre reacionários,
conservadores e liberais de direita, corporações do Estado que, sob a égide
direta dos setores rentistas, buscam consolidar a nova ordem política,
econômica e social, para alterar o regime político democrático garantido pela
Constituição.
Tal aliança possui raízes na história política
brasileira e construiu a vitória de Bolsonaro com base em um trabalho
sistemático, de fôlego, de caráter ideológico-político-cultural. As forças
progressistas não perceberam ou menosprezaram esse trabalho que resultou na
vitória do que se convencionou chamar de “nova direita”, que nada mais é que a
extrema-direita.
O discurso desta nova direita expressa a
exacerbação de um falso nacionalismo, de um engodo de que o corte de direitos é
capaz de alavancar o desenvolvimento, e de um moralismo com traços
inquisitoriais, e faz da intolerância e do ódio contra a esquerda, contra a
população LGBT, contra os negros, uma de suas marcas. Dissemina a intolerância
religiosa, manipula a religiosidade do povo, exalta a negação da política, e o
individual sobre o social.
O discurso e o programa de Bolsonaro são marcados
por uma ação corrosiva, destrutiva até de conquistas civilizatórias, como o
elenco de direitos sociais, o conjunto de políticas públicas e as instituições
focadas nos direitos e no bem-estar do povo que o país constrói desde a década
de 1930.
Bolsonaro tem buscado se apresentar como um governo
de ruptura com a política. Segue midiaticamente satanizando “a velha política”,
mantém os partidos relativamente à margem da constituição de seu ministério;
mas, aos poucos, é impelido a dialogar com sua base parlamentar, sobretudo em
relação aos cargos federais nos estados.
Apesar dos desgastes iniciais, como as crises
envolvendo os filhos do presidente, as graves denúncias envolvendo o senador
Flávio Bolsonaro, e dirigentes do PSL, os desencontros no núcleo do governo e
na sua base de sustentação, o governo tem força e não pode ser subestimado.
Saiu das eleições com um capital político grande, com amplo respaldo dos setores
econômicos e financeiros, de parcela expressiva do poder Judiciário, com a
complacência de grande parte dos meios de comunicação, além de ter todas as
condições para formar uma forte base parlamentar.
O resultado eleitoral não dá carta branca a
Bolsonaro
No entanto, é necessário pontuarmos que, apesar
dessa vitória, o eleitorado brasileiro não é largamente de direita. Muito menos
de extrema-direita. Ele assiste ao desgaste da política, não vê solução para
seus problemas, sente os impactos da crise, encontrou uma força, com um
discurso mobilizador, que promete colocar as coisas no lugar e impor certa
ordem no caos.
Do mesmo modo, não é possível afirmar que os votos
dados a Bolsonaro sejam um referendo ao projeto de privatizações e de desmonte
do Estado. Dados do Datafolha confirmam esta afirmação, ao indicar que 60% dos
brasileiros se dizem contrários às privatizações e 57% rejeitam a redução das
leis trabalhistas.
Os polos de poder do governo
A coalizão de Bolsonaro abriga em si distintos
núcleos, polos de poder não homogêneos, com agenda própria e em disputa pelos
rumos e a visão do governo. Apesar de não possuírem consenso em torno de um
projeto de país, tais polos se unificam em torno da agenda econômica
ultraliberal – que opera sem intermediários – sob o prisma do rentismo.
- a) O Clã
É o círculo ideológico que expressa o pensamento de
fundo do presidente e de seu entorno político. É composto pelo núcleo familiar
(filhos), lideranças evangélicas e expoentes da bancada da bala. E conta ainda
com Olavo de Carvalho e Steven Bannon como ideólogos e estrategistas do
neoconservadorismo. Buscam incidir de fato no governo, indicando nomes para
ministérios, como o de Relações Exteriores, da Educação, da Mulher, da Família
e dos Direitos Humanos. É dele a responsabilidade de manter mobilizado o setor
mais extremista da base social e política de apoio do governo. Embora
expresse força, o Clã, enquanto núcleo político, é também o mais vulnerável e
se tornou o alvo predileto da imprensa.
- b) A Farda
É o núcleo composto por expoentes das Forças
Armadas que, após 34 anos, retornaram à vida política do país com a eleição do
capitão da reserva, Jair Bolsonaro, e do vice-presidente, general Hamilton
Mourão. Desde a redemocratização, não se produziu um momento com a presença tão
extensiva de militares em funções de governo, com destaque para o Exército.
Até o momento, já há 45 militares de alta patente
no governo, com destaque para a presença do Exército, com 18 generais e 11
coronéis da reserva, entre tantos outros. Um dos motivos para tamanha presença
é a completa falta de quadros políticos no entorno de Bolsonaro que, sem
alternativa, teve de se apoiar na expertise de quadros das Forças.
As Forças Armadas, em que pese não homogêneas,
possuem uma visão estratégica de país, mesmo que predominantemente na história
tenham desvinculado a dimensão democrática de seu projeto nacional. Nesta nova
realidade resta saber como irão se posicionar diante de um projeto
ultraliberal, de privatizações e de um alinhamento aos EUA que se acerca a vassalagem.
O vice-presidente, general Mourão, criticado
abertamente por expoentes do Clã, mantém intensa agenda de encontros, entre os
quais se destaca o recebimento de expoentes da Central Única dos Trabalhadores,
CUT, para debater a reforma da Presidência.
- c) A Toga
Trata-se do expoente jurídico e policial do
governo. Envolve, em essência, setores do Judiciário de primeira e segunda
instâncias e Ministério Público, e da Polícia Federal, que ganharam
protagonismo na Operação Lava Jato, e possuem como referência principal o
ex-juiz e atual ministro, Sergio Moro.
Entre os pontos da agenda de Moro, destacam-se o
Pacote Anticrime e a aprovação das Dez Medidas de combate à corrupção, que no
fundo buscam revisar a dimensão garantista de nossa Constituição, como presunção
de inocência, limite do uso do habeas corpus e ampliação de
penas. E ainda manterá sob mira “inimigos internos”, tendendo a atuar na
criminalização de movimentos, lideranças e partidos políticos, sobretudo da
esquerda.
A participação de Sergio Moro é um trunfo
importante para o governo Bolsonaro. Contudo, será o mais cobrado pelos
deslizes de membros do governo e terá de apresentar resultados para além do
combate à corrupção. Até o momento tem havido um silêncio ensurdecedor sobre as
sérias acusações contra um dos filhos do presidente.
- d) O Mercado
Os agentes do mercado financeiro já não atuam por
intermediários. Escalaram para postos-chave do governo, sobretudo da Fazenda,
um time dos sonhos do rentismo: agentes do próprio mercado, como se vê na
nomeação de um funcionário do Santander para presidente do Banco Central.
Sob a batuta de Paulo Guedes, o fiador da aliança
de Bolsonaro com os círculos financeiros internacionais e nacionais, a agenda
econômica a ser implementada consiste em: dar uma guinada ultraliberal na
orientação econômica brasileira, direcionar o Orçamento Federal para assegurar
os ganhos fabulosos da banca, implementar um ambicioso projeto de privatização,
reduzir impostos, zerar o déficit público e realizar reformas consideradas
regressivas e de caráter conservador – como a da Previdência, prioridade número
um do novo governo.
É o núcleo com maior nitidez de objetivos em torno
de sua agenda, conta com vasto apoio entre os setores econômicos, a grande
mídia e as elites do país. O ministro da Economia tem atuado de forma
independente do articulador político do Congresso, o que tem criado atrito com
o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.
- e) Forças que atuam no Congresso
Entre os parlamentares e partidos que apoiam o
governo Bolsonaro, estão núcleos que representam expoentes da política
tradicional, notadamente da direita e extrema-direita. Não é um bloco coeso,
mas um agrupamento de matizes políticos diversos, distintos interesses
corporativos que atuam no Congresso por intermédio de frentes parlamentares,
como a ruralista, a evangélica e a da bala.
3 – As primeiras ações do governo Bolsonaro
confirmam seu caráter
Apesar de desencontros e improvisações, o caráter
autoritário, antipovo e entreguista do governo Bolsonaro se expressa nas
primeiras iniciativas adotadas pelo presidente e os principais núcleos do
governo.
A política externa do governo Bolsonaro realiza uma
profunda reorientação diplomática do Itamaraty, levando o país a se afastar de
diretrizes como a não ingerência em assuntos internos, a autodeterminação e a
busca da solução mediada dos conflitos, preceitos caros à tradição diplomática
brasileira. Essa nova orientação visa a estabelecer um alinhamento automático
do Brasil com as ações dos EUA, distanciando-o do movimento de desconcentração
de poder na arena internacional. São expressões práticas disto o envolvimento
ativo do Brasil na desestabilização do governo da Venezuela, e a promessa de
mudança da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém – ambas com graves repercussões
geopolíticas para o país.
O caso da Embraer merece destaque por seu papel
estratégico para o país e pelos projetos na esfera da defesa que estão
associados à empresa. A empresa de maior valor agregado no Brasil será vendida
por uma pechincha de pouco mais de U$ 4 bilhões, que correspondem à parte de
suas encomendas. Segundo Bolsonaro, a proposta “preserva a soberania e os
interesses nacionais”, por mais que, após dez anos, a Boeing possa comprar os
20% restantes de ações, nas mãos dos acionistas controladores da Embraer. Chama
a atenção a anuência dos militares para a realização desta venda, pois a
operação pode comprometer o projeto KC-390, avião de transporte militar.
O Pacote Anticrime apresentado pelo ministro da
Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, é a expressão de uma concepção
autoritária, punitivista, que usa da violência para combater a violência. Tal
medida é um remendo ao arcabouço legal do país, violando preceitos
constitucionais, como a presunção de inocência, ao defender a prisão em segunda
instância. No conjunto das propostas, não há indicações sobre a
realização de investimentos em inteligência e infraestrutura de segurança, em
valorização e capacitação dos profissionais da área. Tais medidas ampliarão a
população carcerária e darão licença para matar – o que atingirá a população
mais pobre e jovens em situação de vulnerabilidade. Em essência, essas medidas
ficam longe de responder às demandas efetivas da sociedade, que exige o direito
à paz, à segurança, num país que na última década perdeu 553 mil vidas por
mortes violentas – ou 153 pessoas por dia.
Por sua ineficácia, por conter elementos que uma
vez mais atacam o Estado Democrático de Direito, a jornada dentro e fora do
Parlamento para se contrapor a este pacote pode aglutinar amplos setores da
sociedade, do mundo jurídico, do movimento de direitos humanos.
4 – Nova tática: união de amplas forças tendo a
democracia como bandeira central
Para o PCdoB, a tática deve emanar da nova
realidade imposta pelo resultado das eleições de 2018. Diante do vasto
reagrupamento das forças reacionárias no país, a questão principal é a união de
amplas forças políticas, sociais, econômicas e culturais, do campo democrático,
patriótico e popular, para se opor ao governo Bolsonaro, impor derrotas e
reveses à sua agenda. É no caminhar de uma ativa resistência nas ruas, no
parlamento, na luta de ideias, que se reverterá as atuais adversidades,
acumulando forças e descortinando perspectivas de vitórias vindouras.
Deve reger a constituição dessa frente a união de
todas as forças possíveis de serem unidas, com o objetivo de isolar e derrotar
o governo da extrema-direita. Essa é a tática geral da luta
atual.
O objetivo estratégico de derrotar a hegemonia
política dessas forças reacionárias e conquistar a hegemonia das forças
democráticas, populares e progressistas, se encontra, diante dessa nova
realidade, num horizonte distante. Dessa análise se conclui que o campo da
nação e da classe trabalhadora se encontra num período de defensiva estratégica.
Essa nova tática tem como foco emergencial: a
defesa da democracia ameaçada. Isto decorre das ameaças explícitas à
liberdade política e às liberdades básicas, ao Estado democrático de direito,
por ação de um governo com ímpeto saliente de autoritarismo e tendência
fascistizante. O fato de o Estado democrático de direito ter sido mutilado por
inúmeras violações abre caminho e expõe o país a um grave risco: a mudança
do regime político democrático instituído pela Constituição de 1988.
Essa flexão que aponta a democracia como foco
emergencial da tática não desdiz, nem colide, o Programa do PCdoB que concebe
como vértice a questão nacional (soberania nacional) da luta por um novo
projeto de nacional de desenvolvimento, relacionando-a com a causa democrática
e o progresso social. Conjunturalmente, ganha centralidade a bandeira
democrática, visto que as liberdades definem as circunstâncias e as condições
nas quais se realizará a resistência.
Trata-se, então, de formar uma frente de perfil democrático
marcante, de características antifascistas, podendo assim combinar uma relação
de ação comum desde a esquerda, centro-esquerda, setores populares,
personalidades liberais e do centro político. Exemplos da prática política
recente demonstram a possibilidade desse tipo de convergência, como alianças no
Nordeste nas eleições presidenciais de 2018, o arquivamento da proposta do
execrável projeto que institui a Escola Sem Partido, e a aliança pela
restauração do Estado Democrático de Direito.
A aplicação da tática geral para alcançar
essa união ampla requer uma conduta política que escolha e
direcione as lutas que sejam capazes de acumular forças, tendo em conta o
quadro muito desfavorável ao campo progressista. Seria errado, portanto, num
momento político com tais características, ter como centro a radicalização de
posições; ao contrário, é preciso ter presente quais ações, quais combates,
proporcionam a ampliação de forças.
Para ser efetivamente combativa, o pressuposto é
ser uma tática ampla, flexível, capaz de reunir um leque vasto de forças e
pô-las em movimento na ação oposicionista. A radicalização eficaz e consequente
virá do grau dessa ampliação e de uma viragem na correlação de forças que seja
favorável à oposição.
O papel da esquerda política e social
A esquerda se destaca como principal núcleo de
oposição a Bolsonaro, e no curso da jornada oposicionista está chamada a
desempenhar papel de destaque na construção da frente ampla. Todavia, a divisão
que a debilitou na campanha eleitoral persiste. Ela está desafiada a construir
sua convergência num quadro em que já não há uma força hegemônica em seu
âmbito. Sua necessária unidade poderá ser construída dentro e fora do
parlamento a partir de composições e formas distintas às do ciclo anterior.
Têm surgido diferenças e divergências entre os
partidos de esquerda, como é comum quando emergem ciclos políticos novos.
Exemplo disto se deu na eleição à presidência da Câmara dos Deputados. Para o
PCdoB, tais discordâncias devem ser superadas pelo debate, pelo exame crítico e
respeitoso das diferenças e sem que nenhuma legenda se arrogue detentora do
monopólio da oposição. Iniciativas como o Observatório da Democracia, projeto
conformado pelas Fundações do PT, PCdoB, PSB, PDT, PSOL, contribuem para a
gestação de entendimento em outras esferas da vida política.
É falsa a contraposição entre “frente ampla” e
“frente de esquerda”. Uma ampla e forte oposição necessita do protagonismo do
povo, da classe trabalhadora, da mobilização das massas, da ascendente ação dos
movimentos sociais e entidades classistas.
A pressão popular, a luta política nas ruas, será
um elemento de grande relevância. Outra tarefa de grande importância é
conseguir, a partir do diálogo, construir convergência com entidades de
representação como OAB, setores da igreja católica e de outras religiões,
juristas, acadêmicos, artistas, em torno da defesa da democracia, do Estado de
direito e das conquistas históricas do nosso povo. A Frente Brasil Popular, a
Frente Povo Sem Medo e o Fórum das Centrais sindicais, entre outras
articulações, atuam no campo da frente ampla oposicionista com sua autonomia e
bandeiras – buscando sempre, é claro, convergências que resultem em massivas
mobilizações respaldadas por amplas forças. Sempre que amplas coalizões
políticas e sociais ganharam as ruas, o Brasil e sua gente saíram vencedores.
Resistência, Amplitude e Sagacidade
Com amplitude, sagacidade e flexibilidade, o campo
da oposição pode explorar as tensões e contradições de interesses e ideias que
existem no governo Bolsonaro e na sua base de sustentação no Congresso Nacional
e na sociedade. Na base de sustentação, há quem respalde integralmente a pauta
da agenda ultraliberal e neocolonial, mas tem restrições ao crescente
sufocamento do Estado Democrático de Direito pelo Estado de exceção.
Neste cenário, manobras, alianças pontuais e passageiras podem ocorrer para
explorar fissuras no campo adversário, como fator de reforço da jornada
oposicionista.
A dinâmica da atuação da frente, por sua
heterogeneidade e composição policlassista, rege-se pelo binômio unidade e
luta; sobretudo agora, no seu nascedouro, se a ênfase for na luta, isto é, na
exacerbação das divergências e na demarcação de posições, sua constituição terá
enorme dificuldade. Essa disparidade de matizes das oposições – que abarca
forças resolutas no enfrentamento ao governo, forças intermediárias e mesmo
vacilantes – demanda coesão da esquerda e das forças populares para que a
frente tenha uma direção política consequente, cumpra sua missão de isolar e
impor derrotas ao governo.
As principais bandeiras
Para o PCdoB, a frente ampla se constituirá, no
percurso das batalhas, em torno destas bandeiras: Defesa da democracia, da
soberania nacional e do patrimônio público, dos direitos do povo e da classe
trabalhadora. Como já destacado, a bandeira democrática ganha centralidade.
- a) A defesa da democracia se
materializa nas jornadas em defesa das liberdades, dos direitos civis e
sociais contidos na Constituição; do Estado Democrático de Direito, contra
o Estado de exceção; da autonomia das universidades, da existência da
Justiça do Trabalho, seriamente ameaçadas; da liberdade de imprensa e de
expressão, alvos de restrições, chantagens e ameaças. Além disso, se somam
às batalhas para restabelecer o equilíbrio entres os Poderes da República,
notadamente recompondo prerrogativas do Legislativo; contra a censura às
manifestações artísticas; e o rechaço às ameaças autoritárias do
presidente Bolsonaro no sentido de criminalizar, e mesmo banir, os
partidos de esquerda e os movimentos sociais.
- b) Defesa soberana do país e o
patrimônio nacional. Ganham relevância as
jornadas em defesa das empresas e dos bens estratégicos do país, em
especial da Petrobras, do pré-sal e do regime de partilha, contra a
entrega dessa riqueza às petroleiras estrangeiras; a oposição firme à
política externa subserviente aos EUA; defesa dos princípios da diplomacia
brasileira de respeito à soberania e à autodeterminação dos países, e não
ingerência em assuntos internos; e busca de soluções pacíficas e negociadas
para os conflitos.
- c) A defesa dos direitos do povo e da classe trabalhadora. Com a política ultraliberal do ministro
Paulo Guedes, os principais alvos serão saúde, educação, segurança,
assistência social, direitos básicos, que seguirão sob ameaça de um
processo crescente de cortes, de queda de qualidade e abrangência, em
consequência do arrocho orçamentário advindo da Emenda do Teto do Gasto e
outras medidas da chamada austeridade. Já foi anunciado que haverá um novo
giro no corte dos direitos trabalhistas, inclusive aqueles assegurados
pelo artigo 7º da Constituição (13º salário, FGTS, férias, repouso
remunerado).
Defesa do direito à aposentadoria: grande batalha
A jornada contra a reforma da previdência, em
andamento, apresenta-se como uma grande batalha em torno da concepção de Estado
e da defesa dos direitos. Essa reforma está vinculada às imposições da Emenda
do Teto do Gasto e encerra uma concepção de Estado nacional. Estado mínimo,
fraco para impulsionar o desenvolvimento nacional e assegurar ao povo e aos
trabalhadores os direitos conquistados em lutas ao longo dos últimos cem anos.
E Estado “forte” para canalizar o grosso do Orçamento Federal para os
rentistas, banqueiros e especuladores.
A defesa dos direitos dos trabalhadores, portanto,
a uma aposentadoria justa e digna, se apresenta como a principal batalha a ser
enfrentada neste primeiro semestre de governo. Ela será travada dentro do
Congresso Nacional e ecoará nas demais Casas Legislativas, nas ruas com as
mobilizações unitárias lideradas pelas centrais dos trabalhadores e
trabalhadoras e pelo conjunto dos movimentos. É preciso desde agora engajamento
e preparação para que se realize com êxito uma agenda de mobilização das
centrais, com atos de rua, que se iniciam em 20 de fevereiro. Intensa luta de
ideias deverá ser empreendida em todos os espaços possíveis, sobretudo nas
redes.
Lula Livre
As forças reacionárias para vencer as eleições
tiveram que, arbitrariamente, prender o ex-presidente Lula com o objetivo de
excluí-lo da disputa presidencial de 2018. Em decorrência dessa afronta ao
Estado Democrático de Direito, na esfera democrática, destaca-se, entre as
tarefas das forças progressistas, uma campanha nacional e internacional pela
libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sofre uma prisão
arbitrária e injusta.
6 – Preparar o PCdoB para um novo ciclo político
A construção partidária requer a compreensão
pulsante da realidade da sociedade brasileira, e de suas transformações e
implicações na vida partidária. A questão está em colocar o PCdoB à altura dos
desafios que o novo ciclo político nos exige, traçando novas linhas de
acumulação, novos caminhos, a partir da atualização da tática.
Construir o partido em conjunto com a resistência
A situação concreta exige resistência, amplitude e
sagacidade, e, apesar dos ataques à esquerda, é possível crescer na luta pela democracia.
Desse modo, tem lugar a necessidade de compactar a ação da direção partidária e
promover a atuação das diferentes frentes em sincronia e com foco no planejado
coletivamente.
Essa nova realidade exige um partido forte, coeso e
influente nos parlamentos, nos movimentos sociais, nas lutas das mulheres, dos
trabalhadores e da juventude. E, ainda, protagonizando o debate de ideias na
sociedade, com condições de cumprir seu papel aglutinador das forças
democráticas.
Além das formas tradicionais de mobilização, o uso
adequado das novas tecnologias de comunicação e informação pode contribuir para
fortalecer a organização partidária e a propaganda das nossas ideias, em
diálogo direto com a sociedade, para mobilização e engajamento de filiados,
militantes, simpatizantes, amigos e eleitores.
Fortalecer as direções partidárias
Na luta político-ideológica, é preciso persistir no
desenvolvimento da teoria de Partido e na atualização da política de
estruturação partidária. É estratégico o papel das direções partidárias em
todos os níveis, com funcionamento regular e dinamismo para dar respostas aos
desafios apresentados por essa nova realidade, além de serem o polo organizador
de toda a nossa ação. É no âmbito das direções que o binômio ação
política/estruturação partidária, alicerçado na ação planejada, ganha
existência efetiva e, por isso, assume importância estratégica.
Só assim poderemos unir forças para alcançar êxitos
políticos e eleitorais nas eleições municipais de 2020, preparando desde já os
comitês municipais para esta batalha – a antessala de 2022 –, atraindo quadros
políticos, lideranças do povo, trabalhadores, mobilizando militantes e filiados
para enfrentar os desafios presentes.
A luta pela superação da cláusula de barreira e a
incorporação do PPL
A adoção em 2016 da cláusula de barreira, um
instrumento autoritário que cerceia a liberdade organizativa dos partidos
políticos, constituiu importante obstáculo para a vida democrática. O não
cumprimento desta cláusula pelo PCdoB, na eleição de 2018, representou um revés
importante sobre o qual a direção nacional buscou atuar de forma efetiva.
Como resultado deste esforço, o PCdoB e o PPL
desencadearam um elevado diálogo político programático, buscando uma solução
política e jurídica para atender às exigências, na forma da lei, de superação
da cláusula de desempenho e assim criar as condições para que sigam
desempenhando um papel relevante na resistência democrática e na busca de
soluções de fundo para que o Brasil se torne uma nação próspera, democrática, soberana
e socialista.
Desse diálogo frutífero, veio a convicção de que as
duas legendas possuem afinidades e convergências programáticas e, em face ao
presidente eleito da extrema-direita, têm o entendimento comum: a visão tática
confluente de que é preciso agregar um leque amplo de forças para empreender a
resistência e a oposição democrática, anunciando assim a unificação do PCdoB e
PPL.
Com a realização do nosso congresso extraordinário,
novas tarefas surgiram no trabalho cotidiano das comissões de enlace, nos
níveis nacional, estadual e municipal. A unidade entre PPL e PCdoB resultará no
reforço ao enfrentamento das medidas autoritárias, antidemocráticas e de
lesa-pátria em curso. De igual modo, reforça o papel das forças revolucionárias
e patrióticas que lutam no Brasil por uma Pátria Livre, Democrática e
Socialista.
Caminhamos para o Centenário do PCdoB, e as
diretrizes aprovadas no 14º Congresso abordam com abrangência e atualidade as
diferentes frentes da estruturação partidária.
- A jornada da oposição se fortalecerá
crescentemente
O Partido Comunista do Brasil, legenda quase
centenária, desde a República Velha em conjunto com as demais forças
progressistas do país, lutou contra todos os governos e regimes autoritários e
tiranos que infestaram a história da República. Com base nessa experiência,
transmite ao povo brasileiro a certeza e a confiança de que, apesar das graves
ameaças que pairam sobre o país, não será fácil a Bolsonaro realizar a obsessão
de sepultar a democracia brasileira. Ela deitou raízes profundas no solo
pátrio, custou à nação muitas lutas e vidas.
A resistência rumo a uma oposição vigorosa realiza
seus primeiros passos, e tem potencial para se efetivar no âmbito de toda a
vida política e social do país, a começar pelo Congresso Nacional e outras
casas legislativas, se estendendo para os movimentos sociais, as organizações
da classe trabalhadora, segmentos do empresariado, o universo acadêmico, a
intelectualidade, os artistas, o mundo jurídico, setores religiosos, e
inclusive os integrantes de instituições da República. Os governadores e os
prefeitos do campo democrático terão importante papel nesta empreitada, tal
como tem atuado o Prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira e o Governador do
Maranhão Flávio Dino.
O PCdoB está convicto que no curso das mobilizações
e da resistência, uma maioria progressivamente se levantará para defender a
democracia, os interesses do Brasil e os direitos do povo e da classe
trabalhadora.
Brasília, 15 de fevereiro de 2019
Comissão Política Nacional do Partido Comunista do
Brasil (PCdoB)
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