Dez truques do
mercado para justificar o fracasso de suas políticas
Luis Nassif, Jornal GGN
Truque 1 – o conceito de interesse nacional.
Trate como antinacional toda medida econômica que não beneficie
seu grupo. Esse truque existe desde a República Velha. O custo das políticas de
sustentação do café era tratado como benefício para o país. O custo de
políticas econômicas para outras regiões, como sendo contra o interesse nacional.
Truque 2 – o conceito de populismo.
Com todos seus equívocos, a vantagem da democracia é permitir
que o interesse geral se sobreponha aos interesses particulares. É a única
força que induz governantes a implementarem políticas universais em áreas
essenciais.
Historicamente, populismo se referia a medidas de alcance imediato visando
conquistar eleitores, sem nenhuma preocupação com a construção do futuro.
Com
o tempo, todas os recursos que voltam ao cidadão, na forma de serviços, mesmo
os essenciais, passaram a ser tratados como populismo.
O ápice dessa manipulação foi o brilhantíssimo ex-Ministro da
Educação Cristovam Buarque afirmando que Lula abriu inúmeras universidades
federais com propósitos eleitorais.
Truque 3 – o sucesso e o truque da defasagem.
Um governante adota uma série de medidas desastrosas, que impede
a economia de crescer. Entra outro governante que toma uma série de medidas
reativando a economia. O discurso passa a ser que o primeiro se sacrificou,
trabalhando com responsabilidade, para que o segundo levasse a fama.
É histórico. Campos Salles renegociou a dívida externa
brasileira, irresponsavelmente ampliada por Ruy Barbosa, em condições
ultrajantes. Com o país quebrado e, portanto, em condições de negociar
deságios, aceitou todas as imposições da Casa Rotschild. E ainda levou na
comitiva de beija-mão jornalistas que reportaram os elogios do banqueiro à
seriedade do futuro presidente. Ou seja, no seu beija-mão a Donald Trump,
Bolsonaro teve antecedentes ilustres.
Depois, Rodrigues Alves fez um governo vitorioso. A história,
segundo o mercado, foi de que a virtude maior foi de Campos Salles, preparando
o terreno para seu sucessor.
Do mesmo modo, Fernando Henrique Cardoso implementou uma
política monetária ruinosa, que jogou o nível de endividamento público e
privado nas nuvens, provocou a estagnação da economia, comprometeu o ganho de
mercado obtido com a estabilização da moeda. No período em que adotou uma
política econômica pró-ativa, Lula conseguiu índices de crescimento inéditos,
em plena crise global.
Truque 4 – o fracasso e o truque da defasagem
O segundo governo Dilma Rousseff foi um desastre. O pacote
Joaquim Levy afundou ainda mais a economia, quebrou as pernas políticas do
governo que, a partir dali, foi sufocado pelas pautas-bombas do Congresso.
Ponto.
Entre Henrique Meirelles, pelo governo Temer, Paulo Guedes, pelo governo
Bolsonaro, e mantem as mesmas políticas restritivas anteriores. Ou seja, tudo
passou a ser de sua estrita responsabilidade, mesmo tendo apoio expressivo do
Congresso.
Depois de quedas do PIB, a recuperação costuma ser rápida,
porque há capacidade instalada a ser ocupada. No entanto, até hoje não ocorreu
a recuperação da economia brasileira, configurando o mais longo período sem
recuperação da história.
Mas a culpa continua sendo da Dilma.
Truque 5 – o golpe da lição de casa.
Foi aplicado sistematicamente, de Pedro Malan a Henrique
Meirelles, com a contribuição luxuosa de Antônio Palocci e Joaquim Levy.
Consiste em impor um conjunto de medidas amargas – para os
outros -, acenando com o pote de ouro no final do arco íris. Se tirar o leite
das crianças, a aposentadoria dos idosos, se reduzir os direitos trabalhistas,
se reduzir os gastos com saude e educação, a economia voltará a ser pujante e
todos ganharão.
Começa o ano com tais promessas. Chega-se ao final com os
sacrifícios impostos e nada de aparecer o pote de ouro. Alega-se, então, que o
sacrifício foi insuficiente e toca a apertar mais ainda o torniquete em cima da
rapa.
Como garantia o sábio Ministro Luis Roberto Barroso: se a
legislação trabalhista tirar os torniquetes sobre as empresas, haverá
abundância de emprego. Mudam-se as regras, o emprego cai por conta da recessão
e a informalidade explode, por conta da nova legislação.
Truque 6 – o golpe do fim do mundo.
Utilizado desde tempos imemoriais. Ou o Brasil acaba com a
saúva, ou a saúva acaba com o Brasil. Ou o Brasil acaba com esses velhinhos que
sugam a Previdência, ou esses malandros que teimam em ficar doentes para
conseguir o auxílio-doença, ou eles acabam com o Brasil.
Imposto sobre grandes fortunas? Não, porque é de difícil
aplicação. Sobre ganhos financeiros? Não, porque irá desestimular os
investimentos. Contenção da engenharia fiscal dos grandes grupos? Não, porque
embotará o empreendedorismo.
Truque 7 – a impossibilidade do impossível
Analise-se o pacote Joaquim Levy-Dilma. Aplicou simultaneamente
choque tarifário, choque monetário, restrição de crédito, corte drástico de
despesas prometendo a quadratura do círculo: se cortar toda a demanda, haverá o
equilíbrio fiscal e instantaneamente os investimentos voltarão para a economia.
O resultado óbvio seria: se cortar toda a demanda, com a
economia em queda, acelerará a queda do consumo. Com isso não haverá a volta do
investimento, mas a queda vertiginosa da atividade econômica.
Alegação do mercado: o ajuste não foi suficientemente severo.
O mesmo ocorrerá com a reforma da Previdência. O Congresso vai
entregar uma parte da reforma e a economia continuará em profunda recessão. A
alegação futura do mercado será a de que a reforma não foi suficientemente
radical.
Truque 7 – o truque do denominador
O país tem uma receita fiscal de 100 e uma dívida pública de 50.
Aí, implemento uma política recessiva que derruba a receita em 10%. E uma
política de juros que custa 6% ao ano. Mantidos todos os demais fatores, em
apenas dois anos a relação dívida/PIB passará de 50/100 = 50% para 56/90 = 62%.
Mas, aí, explico que a culpa do déficit foi das despesas.
É
o que acontece com todos os cálculos de déficit primário e déficit da
previdência. O déficit seria menor se as políticas econômicas não tivessem
derrubado a receita.
Truque 8 – o truque da relação causal no
déficit
É primo irmão do Truque 7. O país tem 100 de receita e 100 de
despesa primária, portanto orçamento primário equilibrado. Aí derruba a receita
que cai para 90. As despesas continuam as mesmas. Dir-se-á que a causa do
desequilíbrio são as despesas.
Truque 9 – o golpe da identidade contábil
Os manuais de economia costumam recorrer a identidades contábeis
para medir os fatores econômicos. Uma das identidades consiste em estimar que o
gasto privado corresponde ao total produzido, menos o gasto público. É apenas
uma medida.
Por ser apenas uma conta não leva em consideração, por exemplo,
que gasto público significa ganho privado. Se o governo paga salários, ou
contrata serviços, ou adquire bens, esse dinheiro será injeção na veia das
empresas privadas, que produzem bens de consumo, bens de investimento e
serviços. Se corta o gasto público, automaticamente diminui a renda privada.
Mas os cabeções sacam impavidamente a identidade contábil e
garantem que bastará cortar o gastos público para o lugar ser imediatamente
ocupado pelo setor privado.
Truque 10 – a falsa eficiência
Parte do pressuposto de que se um gasto é mal aplicado, basta
corta-lo para melhorar a eficiência do serviço. O SUS (Sistema Único de Saude)
é um milagre brasileiro, porque consegue determinado nível de universalização
pagando merreca pelos procedimentos médicos. A lógica dos cabeções é simples. O
aumento da eficiência de qualquer serviço, especialmente os serviços públicos,
depende de modelos gerenciais, implementação eficiente, criação de indicadores.
Para os cabeções a lógica é outra. Se um serviço não é suficientemente
eficiente, basta reduzir seu orçamento que a eficiência aparece.
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