Trump nos
leva à beira do abismo
O racismo transformado
em arma destruirá os Estados Unidos?
Paul Kugman, na Folha de S. Paulo
No final do ano passado, Bob Kroll, o presidente do sindicato
dos policiais de Minneapolis, foi a um comício de Trump, no qual agradeceu ao
presidente por ter posto fim à “opressão da polícia” por Barack Obama e por
permitir que os policiais “colocassem as algemas nos criminosos, em lugar de
neles mesmos”.
Os
acontecimentos da semana passada, quando a morte de George Floyd sob
custódia da polícia de Minneapolis resultou em manifestações contra a
brutalidade policial, e essas manifestações foram recebidas com
brutalidade policial –o que inclui violência sem precedentes contra a mídia–
deixaram claro o que Kroll queria dizer por remover as algemas. E Donald Trump,
longe de tentar acalmar a nação, está jogando gasolina na fogueira. Ele parece
muito próximo de tentar incitar uma guerra
civil.
Não
creio que seja exagero dizer que os Estados Unidos tal qual os conhecemos estão
à beira do abismo.
Como chegamos a esse ponto? A história central da política
americana das últimas quatro décadas é que as elites endinheiradas
transformaram o racismo branco em arma a fim de ganhar poder político, que elas
empregaram para promover políticas que enriqueceram ainda mais aqueles que já
eram ricos, à custa dos trabalhadores.
Até a ascensão de Trump, era possível, embora não fosse fácil,
que as pessoas negassem essa realidade. Mas a esta altura, não ver o que está
acontecendo requer cegueira deliberada.
Eu
ainda vejo reportagens ocasionais que descrevem Trump como “populista”. Mas as
políticas econômicas de Trump foram o oposto de populistas: foram
infatigavelmente plutocráticas, centradas principalmente em um esforço bem
sucedido para forçar a aprovação de imensos cortes de impostos para as grandes
empresas e os ricos, e em uma tentativa até agora mal sucedida de privar os
pobres e as famílias de classe trabalhadora de seus planos de saúde.
E
as guerras comerciais de
Trump tampouco trouxeram de volta os bons empregos do passado.
Mesmo antes que o coronavírus nos arremessasse a uma depressão, Trump havia
fracassado em promover um grande crescimento no nível de emprego das minas de
carvão ou da indústria. E os agricultores, que votaram em Trump por grande
maioria em 2016, sofreram grandes prejuízos graças às guerras comerciais do
presidente.
Assim,
o que Trump realmente ofereceu à classe trabalhadora branca que forma a maioria
de sua base política? Basicamente, ofereceu afirmação e uma forma de camuflar a
hostilidade racial.
E em nenhum outro ponto isso fica mais claro do que no
relacionamento dele com a polícia.
Se o autointeresse econômico fosse a única coisa que propele a orientação política das polícias, seria normal esperar que os policiais favorecessem os democratas. Afinal, eles são funcionários públicos sindicalizados –e os republicanos se opõem tanto aos sindicatos quanto à presença do governo.
Se o autointeresse econômico fosse a única coisa que propele a orientação política das polícias, seria normal esperar que os policiais favorecessem os democratas. Afinal, eles são funcionários públicos sindicalizados –e os republicanos se opõem tanto aos sindicatos quanto à presença do governo.
Eles
não ganham dinheiro suficiente para se beneficiar muito do corte de impostos de
Trump. Seus empregos estarão em sério risco se os governos estaduais e locais
privados de arrecadação forem forçados a realizar cortes drásticos de despesas
–e os aliados de Trump no Senado estão bloqueando a assistência que poderia
evitar esses cortes.
De
fato, as contribuições políticas dos sindicatos do setor público beneficiam por
maioria esmagadora o Partido Democrata. E embora muitos bombeiros tenham votado
em Trump em 2016, o maior sindicato de bombeiros endossou a candidatura de Joe
Biden; Mas muitos policiais e muitos dos sindicatos de policiais continuam
firmes partidários de Trump, e deixam muito claro o motivo dessa preferência:
sentem que Trump apoiará suas ações mesmo que, ou talvez até especialmente se,
eles se envolverem em comportamento abusivo com relação às minorias raciais.
Para ser claro, muitos policiais, provavelmente a maioria deles,
se comportaram bem na semana passada. Na verdade, em algumas cidades a polícia
mostrou solidariedade aos manifestantes, aderindo a protestos ou se recusando a
agir.
Mas
Trump claramente se alinha àqueles que rejeitam qualquer ideia de que policiais
–ou qualquer outra autoridade– devam ser responsabilizados por comportamento
abusivo. Lembre-se de que o presidente usou sua autoridade para perdoar membros
das forças armadas americanas que haviam sido condenados por crimes de guerra pela
justiça militar.
Em
conversa por telefone com governadores na segunda-feira, ele não mostrou sinal de que
reconhecesse que pode existir alguma justificativa para os
protestos generalizados ou que a presidência tenha um papel a desempenhar em
unificar a nação. Em lugar disso, disse aos governadores que toda a violência
vinha da “esquerda radical”, e insistiu em que os governadores fossem mais
duros. “Vocês precisam dominar, ou ficarão parecendo um bando de palhaços; é
preciso prender e julgar pessoas”.
Trump –que se escondeu em um abrigo subterrâneo quando
os manifestantes começaram a protestar diante da Casa Branca– também disse aos
governadores que “a maioria de vocês é fraca”.
Foi um desempenho aterrorizante.
Foi um desempenho aterrorizante.
Os republicanos,
como eu disse, passaram décadas explorando a hostilidade racial a fim de vencer
eleições a despeito de uma agenda política que prejudica os trabalhadores. Mas
Trump agora está levando essa estratégia cínica rumo a uma espécie de apoteose.
De um lado, ele na
prática está incitando seus seguidores à violência. De outro, está muito
próximo de ordenar uma resposta militar a um protesto social. E a esta altura,
ninguém espera que os demais republicanos resistam a isso.
Eu na verdade não
acredito que Trump vá conseguir provocar uma guerra racial no futuro
próximo, mesmo que ele esteja claramente ansioso por uma desculpa para usar a
violência. Mas ainda assim é provável que os próximos meses sejam muito, muito
feios.
Afinal, se Trump
está encorajando a violência e falando sobre soluções militares diante de
protestos que em sua maioria esmagadora são pacíficos, o que ele e seus
seguidores farão se parecer provável que ele sairá derrotado da eleição de
novembro?
Tradução de Paulo Migliacci
Paul Krugman - Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.
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