Revolução de
30: Aos 90 anos ainda é símbolo de nossa modernidade
É inegável que
entre 1930 e 1954 o Brasil viveu um grande avanço. Um avanço que ainda hoje, 90
anos depois, correntes políticas teimam em tentar diminuir.
Carolina Maria Ruy
A Revolução de 30 chega aos 90 anos ainda como a mais abrangente
transformação civilizadora da nossa história. Ele tem raízes em um contexto
internacional que já não sustentava um regime oligárquico e feudal em suas
relações sociais.
Mais especificamente a Quebra da bolsa de Nova Iorque, em
outubro de 1929, que afetou nossas exportações de café.
Logo em 1929, a política foi estremecida quando lideranças da
oligarquia paulista romperam a aliança com os mineiros, conhecida como política
do café com leite, e indicaram o paulista Júlio Prestes como candidato à
presidência da República. Em reação, o presidente de Minas Gerais, Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada apoiou a candidatura oposicionista do gaúcho Getúlio
Vargas.
Em 1 de março de 1930, foram realizadas as eleições para
presidente da República que deram a vitória ao candidato governista, que era o
presidente do estado de São Paulo (seria governador nos dias atuais), Júlio
Prestes. Porém, ele não tomou posse, em virtude do movimento desencadeado a
partir de 3 de outubro de 1930 por Vargas, e foi exilado.
Só um mês depois Getúlio Vargas assumiria a chefia do “Governo
Provisório” em 3 de novembro de 1930, data que marca o fim da República Velha
no Brasil. Ele comandou um processo que levou o país a atravessar de uma fase
predominantemente rural, para um país urbano e industrializado. Tal
transformação não consistiu apenas em uma mudança no modo de produção e de
trabalho, ela atingiu um sentido mais profundo, cultural e social, fomentando
uma concepção de cidadania e civilidade condizente com o caráter industrial que
se estabelecia.
Uma de suas primeiras medidas foi a criação do Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, criado para administrar questões que, até
então, eram tratadas pelo Ministério da Agricultura.
O “ministério da Revolução”, como foi chamado por Lindolfo
Collor, o primeiro titular da pasta, surgiu para concretizar o projeto de
interferir sistematicamente no conflito entre capital e trabalho. Até então as
questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da
Agricultura, sendo na realidade praticamente ignoradas pelo governo.
A década de 1930 ainda seria de profundas mudanças para o
Brasil. Duas Constituições, uma progressista e uma conservadora e autoritária,
foram promulgadas, acompanhando o clima internacional marcado pelas tensões que
resultaram na Segunda Guerra Mundial.
Surgiram também diversas Leis trabalhistas que, em 1943
formariam a CLT, como a regulamentação da sindicalização das classes patronais
e operárias e a criação da Justiça do Trabalho, inaugurada em 1941.
Sancionada pelo presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo,
a CLT unificou toda legislação trabalhista existente no Brasil, além de
introduzir novos direitos e regulamentações até então inexistentes. “O
resultado foi um código de considerável abrangência, composto por oito
capítulos e 922 artigos que abrangem e especificam direitos de grande parte dos
grupos trabalhistas brasileiros e tratam minuciosamente da relação entre
patrões e empregados, estabelecendo regras referentes a horários a serem
cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de
segurança e higiene dos locais de trabalho etc”[1].
Após o Estado Novo e após o governo autoritário e repressor de
Eurico Gaspar Dutra, Getúlio voltaria ao poder em 1950, eleito
democraticamente, e já sob nova Constituição, a Constituição de 1946 que
restara os valores progressistas da Carta de 1934.
Na década de 1950 o Brasil já apresentava cidades desenvolvidas,
uma urbanização crescente e a formação de novas forças sociais. Processo que
também impulsionou um renascimento da militância operária, o aumento do número
de sindicalizados e a ocorrência de movimentos grevistas de envergadura,
especialmente em São Paulo como a Greve dos Bancários de São Paulo de 1951 e a
Greve dos 300 mil, de 1953.
Um grande marco deste período é a criação da Petrobrás em
outubro de 1953, após pressões sociais configuradas na Campanha do Petróleo que
defendia o monopólio estatal em todas as fases da exploração. A frase “O
petróleo é nosso”, adotada pela campanha, se tornou famosa ao ser pronunciada
pelo então presidente da república Getúlio Vargas por ocasião da descoberta de reservas
de petróleo na Bahia.
De volta à presidência da República, Getúlio enviou ao Congresso
um projeto propondo a criação da “Petróleo Brasileiro S.A.” (Petrobras). Seu
projeto previa que esta fosse uma empresa de economia mista com controle
majoritário da União. Depois de uma batalha parlamentar de 23 meses, o Senado
terminou por aprovar a criação da Petrobras, sancionada por Vargas – lei 2.004
– em 03 de outubro de 1953. Este foi o resultado da vitória dos nacionalistas e
do triunfo da campanha “O petróleo é nosso”.
Vale lembrar também, na esteira dos acontecimentos deflagrados
pós Revolução de 30, o expressivo aumento do salário mínimo de 1954.
Após a greve de 1953 e a campanha contra a carestia, o ano de
1954 iniciou-se com uma grande pressão para o aumento do salário mínimo. Em
fevereiro, os sindicatos envolvidos no Pacto Intersindical foram em caravana ao
Rio de Janeiro, reivindicar aumento do salário mínimo e congelamento dos preços
aos valores vigentes em 30 de junho de 1953.
Os empresários temiam um aumento maior do que o observado em
dezembro de 1951, quando havia sido feito o último reajuste salarial.
Entretanto seu ministro do trabalho, João Goulart, apresentou a proposta de
dobrar o salário. Um aumento até hoje, 2020, inédito, de 100%.
O decreto proposto por Goulart foi assinado por Vargas no Dia do
Trabalhador daquele ano. Ao anunciar o novo valor, o presidente relembrara as
medidas que havia tomado para “proteger a classe trabalhadora”, e terminara com
um veemente apelo: “Constituís maioria. Hoje estais com o Governo. Amanhã
sereis Governo”.
Vargas, junto com seu ministro que pouco tempo depois se
tornaria presidente e seria deposto pelo golpe militar, enfrentaram uma grande
pressão política e da elite empresarial ao atender aos anseios da classe
trabalhadora. A atitude corajosa cobrou um preço caro que se desdobraria no
suicídio de Getúlio Vargas em agosto daquele 1954. Seu suicídio causou grande
comoção popular, repercutindo nas forças políticas da época.
No dia 24 sua carta-testamento, endereçada ao povo brasileiro,
foi lida pelas rádios. As últimas palavras de Getúlio Vargas, inscritas na
carta, tornaram-se parte emblemática da história do País:
“E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha
vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse
povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício
ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei
contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado
de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos
dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou
o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na
História”.
O povo, então, tomou as ruas do Brasil manifestando pesar pela
morte do presidente, e indignação e revolta contra seus adversários. O cenário
transformara-se completamente. O clima para a deflagração do golpe, que antes
fervilhava na alta cúpula, esfriara por completo. Muitos historiadores afirmam
que o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo.
É inegável que entre 1930 e 1954 o Brasil viveu um grande
avanço. Um avanço que ainda hoje, 90 anos depois, correntes políticas teimam em
tentar diminuir. Existem aqueles que dizem que Vargas apenas atendeu a
necessidades do capitalismo. Mas a questão aqui é que o Brasil da oligarquia do
café com leite mantinha a sociedade em uma situação pré-capitalista, dominada por
uma mentalidade escravocrata. Não é exagero dizer que a Revolução de 30 é a
maior ruptura da nossa história recente.
[1] Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Acessado em 21/08/2020 https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-
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