01 julho 2007

DESTAQUE DE DOMINGO

Domingo é de dia de relaxar, se possível. O Destaque de hoje é uma das nossas crônicas publicadas na coletânea "Como o lírio que brotou no telhado - novas crônicas selecionadas" (Editora Anita Garibaldi, SP, 2006.
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Vaso de porcelana chinesa quebrado

Respeitadas as conotações religiosas, que dão sentido aos festejos natalinos, a passagem de ano na verdade é uma convenção – que nos leva, a nós que nos orientamos pelo calendário Gregoriano, a considerar o mês de dezembro a reta final de um ciclo de doze meses e a nos reportar a uma avaliação de êxitos e insucessos tendo como referência objetivos fixados lá no longínquo janeiro.

Aonde você vai, em almoços e jantares de confraternização, num dado momento a alegria geral é interrompida pelo inevitável balanço das atividades e o conseqüente anúncio do que se pretende no ano que chega.

- “Em nome de nossa diretoria, queremos destacar que no ano que termina...” – e lá vem o elogio das conquistas obtidas, não raro palmilhado de agradecimentos à família tão compreensiva “nas longas horas de ausência”.

E há os balanços de natureza pessoal, que flui entre amigos. Metas não atingidas ou alcançadas parcialmente, sonhos estimulados pela esperança ou esgarçados pela frustração.

- E aí, meu vice-prefeito, já fez o seu balanço?

- Ainda não, nem sei se vai dar tempo, a agenda está pesadíssima, de domingo a domingo.

Pela expressão de surpresa do amigo, a gente vê logo que disse uma bobagem. Afinal, pelas convenções em vigor, a ninguém é dado o direito de se eximir do seu balanço pessoal. Sinta ou não a necessidade.

- Não deixe de fazer o seu balanço, Siqueira. Eu mesmo já fiz o meu. Amigo velho, anotei muitas coisas boas, porém tive uma grande decepção.

- Como assim?

- O diamante, meu velho. Pensava que construía um diamante, belo e resistente ao mais severo dos terremotos. Diamante nada, não passava de um vaso de porcelana chinesa, precioso, é claro, mas muito frágil.

E com os olhos marejados, abriu o coração, como se diz, e narrou a desilusão amorosa. Tudo lhe parecia correr bem, o melhor dos mundos, verdadeira fusão de corpos e almas.

- Paixão total, meu amigo, daquelas de fazer o cara mergulhar fundo e se entregar por inteiro, sublinha em voz alta.

- Afinal o que houve assim que mudou tudo?

- Esse é o problema. Ela não diz. Apenas mudou totalmente o comportamento, às vezes me trata com tanta indiferença e desatenção, de um jeito que não se faz nem com um estranho!

Diálogo difícil, que embaraça a quem ouve a inopinada confissão. Se nem o indigitado amigo sabe as causas de tamanho desencontro, só nos resta a silenciosa solidariedade. Assim mesmo ensaiamos uma tentativa de animá-lo:

- Não desista, rapaz. Um vaso de porcelana chinesa é algo muito precioso.

- Mas é frágil, retrucou.

- Sim, mas quando cuidado com carinho...

- Aí que está o drama. O vaso de porcelana foi jogado ao chão se partiu em muitos pedaços; e ela jura que não, mas na prática se recusa a recuperá-lo.

A essa altura, sob o efeito de uma segunda dose de uísque e da presença do animado grupo que se juntou a nós, a conversa foi providencialmente interrompida.

Mas ficou a sensação de que urge fazer também um balanço pessoal, com o cuidado de construir diamantes de verdade – na vida política, profissional e pessoal. Para não sofrer, como o amigo, ao ver de repente se espatifar um precioso vaso de porcelana chinesa, perturbando a alegria do Ano Novo.

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