No Vermelho, por Eduardo Bomfim
Há vários anos atrás, o deputado Aldo Rebelo e eu, retornávamos ao Brasil pelo aeroporto de Bruxelas, tarjetas de embarque em mãos, quando ouvimos uma áspera discussão em português. Era o professor Bautista Vidal, cabelos brancos despenteados, gesticulando como quem fazia um inflamado discurso.
Chegamos perto do balcão da extinta VASP e uma belga falando um português misturado com espanhol, tentava enquadrar o genioso compatriota que respondia: não adianta que não vou pagar uma passagem para mim e outra para a minha mala e quer saber de uma coisa, fique com ela e as minhas roupas usadas.
Abriu a bagagem, retirou o que lhe interessava, depositou em uma outra bem menor, deixando a maior aberta, escancarada, na fila de passageiros que olhavam espantados o episódio. Retirou-se impávido, como quem ganhara uma monumental batalha militar. Quando nos viu fez um gesto largo de alegria com as mãos e convidou-nos à lanchonete como se nada tivesse acontecido.
Passou a fazer considerações antropológicas sobre a civilização dos anfitriões. Daí em diante, uma apologia aos povos ibéricos, sobre a importância da ocupação moura na região, a riqueza cultural e científica que deixaram como legado aos portugueses e espanhóis.
Falava passionalmente e alternadamente sobre o povo brasileiro e as inesgotáveis fontes alternativas de energia para o futuro da humanidade. Íamos do petróleo, motivo das guerras em curso, promovidas pelo império do norte e seus subalternos, até ao biocombustível. Agarrava com as mãos o futuro como se elas alcançassem os tempos que vinham.
Afirmava que nós precisávamos de uma tragédia histórica. Não necessariamente de caráter natural como um terremoto, um tsunami ou coisa que o valha. Mas nas estruturas injustas dos povos latino-americanos.
Tempos depois, em Brasília, tive a oportunidade de conversar com o embaixador do Vietnã. Falei da grande admiração que tínhamos pelo heroísmo do seu povo, derrotando a maior potência militar do planeta em defesa da pátria e por um novo regime social. Respondeu-me com sabedoria: nós precisamos aprender com vocês que conseguem evitar guerras por tanto tempo.
Hoje vejo que as duas conversas não são contraditórias, mas exemplos extraordinários dos caminhos na História dos povos. Na paz devemos saber avançar com destemor.
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