22 julho 2007

DESTAQUE DO DOMINGO

Da coletânea O Vermelho e Verde-Amarelo – 65 crônicas políticas (editora Anita Garibaldi, SP, 2005), escrita em fevereiro de 2004. Bom domingo!
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Nos mínimos detalhes
Luciano Siqueira


Explorar todas as possibilidades de uma gestão "radicalmente" democrática tem sido quase uma obsessão na Prefeitura do Recife. Por convicção política e fidelidade aos compromissos de campanha. Vale tudo. Do Orçamento Participativo — que hoje é um dos três mais expressivos do País, tendo reunido em 2003 cerca de 70 mil cidadãos — ao fortalecimento dos Conselhos Municipais e a realização de Conferências com o intuito de formular e avaliar as políticas públicas setoriais. Mais ainda: esforçamo-nos por estabelecer, na medida do possível, contato direto com o cidadão, individualmente. Caso do vice-prefeito, por exemplo, que mantém intensa correspondência e ouve com atenção todos os que o abordam na rua.

O resultado tem sido fundamentalmente positivo. Aprendemos mutuamente — governantes e cidadãos. Mas há exageros. Como de um eleitor que nos envia inúmeras mensagens pelo correio eletrônico, pedindo explicações detalhadas sobre os mais diversos problemas — e o detalhe pode incluir, por exemplo, as medidas exatas da antiga ponte giratória, que teve parte da mureta de proteção semidestruída recentemente.

Pois bem. Outro dia, justamente o detalhista nos aborda em plena fila do cinema e, após cordial cumprimento, identifica-se e prorrompe em perguntas e pedidos de esclarecimento. De nada adianta lhe dizer que a fila começa a andar e que não queremos perder um bom lugar na sala de exibição. Nada ouve, tudo fala.

"E a ponte giratória — por que não foi consertada ainda? Custa muito? Quanto? Quando será a licitação? Aquelas placas de concreto da avenida Norte, já foram totalmente recuperadas? Qual a média de alunos nas escolas da rede municipal? E a programação do carnaval, quantos artistas vão se apresentar - quais são os daqui e quais são os de fora? Quantas casas a atual gestão já construiu? E Brasília Teimosa, tem prazo para a conclusão da obra? Quantas pessoas já foram atendidas pelo Banco do Povo? O senhor acha que o prefeito se reelege? Vai ter segundo turno? Lula vem para a campanha? Por que não?..."

Mal escuta quando dizemos "até logo, bom fim de semana". À distância, ainda pede que lhe responda tudo por escrito. "Se possível, com detalhes".

O filme Deus é brasileiro, despretensiosa produção nacional feita para divertir, surtiu o efeito de um bálsamo. Quanto ao inusitado diálogo com detalhista, restou a impressão de que a democracia é necessária — mas deve ter lá seus limites...

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