Bonequinha de louça
Luciano
Siqueira
Estatura
mediana, esguia, diria até muito magra, de alvura quase leitosa, olhos azuis,
batom vermelho vivo igual ao matiz das unhas. Olhar vago, mirando a janela da
aeronave como quem enxerga o nada. Mesmo quando percebeu que eu a observava e
fazia comentários com meu companheiro de viagem, Tadeu, sequer um sorriso
discreto, algum gesto o mais tímido que fosse.
Para
completar a imagem insossa, uma boina presa com grampos aos cabelos
impecavelmente grudados em gel. Uma bonequinha de louça.
Sim,
tudo na aeromoça da Trip lembrava as bonecas de minha irmã, que na infância eu
contemplava com certa admiração, atento ao movimento dos olhos e dos cílios e
ao som que emitiam quando submetidas a distintas posições. Não sei a razão,
todas as que conheci tinham olhos azuis ou esverdeados, a tez alva, lábios e
unhas avermelhadas – igual àquela jovem quase robótica que tinha à minha
frente.
Ao
anúncio de que o serviço de bordo começaria, me animei: a bonequinha vai se
mexer, talvez fale.
Falou,
porém um lacônico “Senhor, aceita?” e nada mais que isso. Pior: a voz parecia
gravada, que nem a que a gente ouvia do peito das bonecas da minha irmã. Um som
sem vida, mecânico, falto de emoção.
Pensei:
quando ela vier recolher o copo plástico, embalagens da horrível comida de bordo
(lixo, sob todos os títulos), talvez eu peça água, ou um cafezinho, sei lá,
algo que lhe provoque dizer mais uma frase – mesmo insípida, burocrática,
contanto que me tirasse aquela má impressão. Mas quando ela veio, sacola de
plástico à mão, balbuciou um mínimo “Posso?” e nem percebeu que eu a olhava nos
olhos e lhe oferecia o meu sorriso cúmplice.
No
desembarque, a mesma coisa. Sorri, agradeci a atenção e ela nada, o olhar
vazio, a face passiva. Em silêncio.
Confesso
que não me senti maltratado. E ela me despertou um
irrecusável sentimento de solidariedade – que alimento à distância, em pura
abstração, pois sequer o nome da bonequinha de louça eu retive. Por que aquele
ar sem vida – frustração profissional? Amor fulminado pelo veneno mortal da
indiferença?
Já
encontrei gente de companhia aérea hospedada no mesmo hotel que o meu e pude
observar a alegria no hall, a quase algazarra quando à mesa do restaurante –
sinais de alguma felicidade, suponho. Fosse eu um desocupado, bem que
procuraria o hotel que o pessoal da Trip frequenta no Recife e iria ao café da
manhã tantas vezes quanto necessárias até encontrar, entre seus colegas, a
bonequinha de louça. Juro que estaria torcendo para vê-la alegre,
conversadeira, sorridente. Assim apagaria a imagem que agora me incomoda toda
vez que penso em pessoas infelizes.
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