(Primeira onda da repressão)
Por Djalma Agripino, do NUSP-UFPE [foto]
Duas epígrafes, extraídas do Antigo Testamento, encabeçam o livro "Brasil: nunca mais - um relato para a história", resultado resumido do projeto também assim denominado. Para expor a tortura praticada pela Ditadura Militar, a ação mnemônica reuniu líderes de três tradições religiosas: o rabino Henry Sobel, o então arcebispo de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano Jaime Wright.
Duas epígrafes, extraídas do Antigo Testamento, encabeçam o livro "Brasil: nunca mais - um relato para a história", resultado resumido do projeto também assim denominado. Para expor a tortura praticada pela Ditadura Militar, a ação mnemônica reuniu líderes de três tradições religiosas: o rabino Henry Sobel, o então arcebispo de São Paulo dom Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano Jaime Wright.
"Escreve
isto para memória num livro" (Êxodo 17, 14)
"Lembrem-se
do que aconteceu no passado: Naqueles dias..." (Hebreus, 10,32-35)
Tive o
privilégio de ouvir, ao vivo, depoimentos e histórias de vida sobre o Golpe de
64 na casa de minha querida amiga e professora Gilda Kelner. Durante quase 20
anos, convivi com Pelópidas Silveira, prefeito do Recife afastado pelos
militares em 1964. Tudo o que pude registrar ficou registrado. E os depoimentos
dos professores Miriam e Salomão Kelner sobre o tempo em que a fúria fascista
atingiu a Faculdade de Medicina do Recife. Como esquecê-los? Seguindo a norma
bíblica, escreverei aqui sobre o que ouvi e torço para que não caia nas águas
do rio Lethe, o rio do esquecimento dos gregos.
Por
enquanto, só falarei da primeira onda de repressão sobre a Faculdade de
Medicina. O Golpe de 64 prendeu, perseguiu e humilhou os professores desta
instituição (a tortura e a perseguição a estudantes vieram depois). O crime
alegado na ocasião para justificar as arbitrariedades: assinatura de um
manifesto em apoio ao Governador Miguel Arraes!!!!
Professores
Arnaldo Marques e Eleazar Machado, respectivamente, catedrático e assistente de
Propedêutica Médica - PRESOS!!
Professora
Naíde Teodósio, assistente da cátedra de Fisiologia - PRESA!
Professor
Salomão Kelner, assistente da Cátedra de Cirurgia, professora Miriam Kelner,
assistente da Cátedra de Obstetrícia, e sua filha Gilda Kelner, aluna do curso
médico - PRESOS!
Professor
Paulo Loureiro, assistente da Cátedra de Clínica Médica - PRESO!
Outros
sofreram humilhações e constrangimentos. Entre eles, estava o professor
Guilherme Abath, pai de meu amigo e colega de turma Carlos Abath, além dos
professores Amaury Coutinho, catedrático de Clínica Médica, e Hélio Mendonça,
assistente de Histologia.
Se
tivessem assinado o referido manifesto, eram "convidados" a botar
nota no jornal afirmando não ser filado ao Partido Comunista!!!!
Sei que
houve outros, mas infelizmente não registrarei.
Católicos,
judeus, ateus, comunistas, democratas, liberais.... não escaparam dos cães
raivosos.
Para
finalizar, relembro duas atitudes que me foram descritas envolvendo os
professores da Faculdade de Medicina. É em momentos cruciais que se pode
avaliar a dignidade da pessoa humana. É muito confortável, em tempos
democráticos, defender a democracia e pedir intervenção militar. Gostaria de
ver a defesa da primeira opção nos tempos em que o pau cantava.
Nesses
tempos bárbaros, um famoso professor desta casa, pasmem, afixava m, nas paredes
do hospital Pedro II, recortes de jornais com nomes dos que haviam assinado o
manifesto em apoio a Arraes!! O gesto infame era ração para os cães furiosos.
Mas
houve um outro professor, distante da política, que condenou eticamente aquela
ação e agiu: ARRANCOU DAS PAREDES os recortes de jornais com o nome das
vítimas.
Gostaria
de escrever aqui em caixa alta o nome deste ÚLTIMO (eu sei o nome do primeiro)
professor que tomou tal atitude. Infelizmente esqueci, tomei água do rio Lethe!
Quem me informou isto foi a professora Myrian Kelner. Quem souber, relembre
aqui.
Há
momentos na vida em que é importante saber como se comportaram as pessoas
naquela ocasião (relembrar célebre fala de Arraes durante os
"convites" para renunciar ao mandato em 64).
Há
atitudes corajosas e sublimes, como as de Arraes, ao resistir ao Golpe, as dos
professores da Faculdade de Medicina que assinaram o manifesto o apoiando e,
sobretudo, ainda, aquela do professor anônimo (por enquanto) que protegeu seus
colegas das garras fascistas.
Quando,
ao final da vida, formos julgados no amor, como lembra o místico espanhol São
João da Cruz, essas atitudes JAMAIS SERÃO ESQUECIDAS. O resto não caberá no
lixo da história.
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