10 abril 2016

Sem crime é golpe

Impeachment e a imprescindibilidade do fundamento jurídico
"Faz-se necessário, portanto, seguir os rigores jurídicos quanto a tais fundamentos, não sendo aceitáveis malabarismos"
Por Bruno Galindo*, no Diário de Pernambuco
A questão dos fundamentos jurídicos no processo de impeachment da Presidente Dilma tem sido objeto de grande controvérsia na comunidade jurídica. Juristas renomados têm defendido teses completamente opostas a respeito. Elucidá-la implica discutir a natureza de tal processo, se predominantemente política ou jurídica.
O impeachment é um instituto que nasceu no parlamentarismo britânico. Diante de sua complexidade processual, foi substituído pelo voto de desconfiança e nunca mais usado por lá. Contudo, foi importado pelos EUA e por outros países presidencialistas.
Nos EUA, foi inicialmente visto por autores como Alexander Hamilton como um processo de punição dos que governam mal, tese, contudo, não aceita no caso do Presidente Andrew Johnson, em 1867, quando se rejeitou uma condenação estritamente política. Nos demais casos predominaram os aspectos criminais, tendo Richard Nixon renunciado antes da instauração do processo no Caso Watergate e Bill Clinton absolvido das acusações de perjúrio e obstrução da justiça. 
Na América Latina, ocorreu pela primeira vez justamente aqui no Brasil, em 1992, com o ex-Presidente Fernando Collor. Acusado de 6 crimes comuns e 2 de responsabilidade, foi condenado por estes últimos no Senado e absolvido pelos primeiros no STF, em um dos casos (corrupção passiva) em razão de provas ilícitas no processo. Os demais foram na Venezuela em 1993, com o ex-Presidente Andrés Pérez condenado por peculato, e no Paraguai, em 2012, com o ex-Presidente Fernando Lugo, um verdadeiro impeachment “relâmpago”, por ter sido instaurado e concluído em menos de 48 horas.
Considerada sua evolução histórica, o impeachment é atualmente um processo de natureza político-criminal, como destaquei em recente livro publicado (Impeachment à luz do constitucionalismo contemporâneo, Editora Juruá, 2016). Embora seja julgado nos crimes de responsabilidade por uma Casa política (Senado) o fundamento jurídico é uma exigência imprescindível em sua atual conformação. A própria jurisprudência do Supremo inclina-se a compreendê-lo como um instituto predominantemente penal (ADI 834/MT, j. 18/02/1999, e ADI 1628/SC, DJ 24/11/2006), o que reforça as exigências de bases jurídicas sólidas para o acolhimento de um pedido de tal natureza, não podendo ser a má administração ou o cometimento de ilícitos que não se enquadrem estritamente nas previsões constitucionais e legais os fundamentos de tais denúncias.
Faz-se necessário, portanto, seguir os rigores jurídicos quanto a tais fundamentos, não sendo aceitáveis malabarismos interpretativos, analogias ou interpretações extensivas em prol de uma condenação, o que pode até mesmo ser objeto de impugnação junto à Suprema Corte brasileira, caso estejam em desacordo com as exigências constitucionais, tal como alertou recentemente o Min. Marco Aurélio Mello.
*Professor Associado da Faculdade de Direito do Recife/UFPE

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