O jornalista Greg Grandin, da The
Nation, a revista mais antiga dos Estados Unidos, fundada em 1865, e uma
das mais bem conceituadas por sua seriedade, publica artigo devastador sobre
interesses por trás do golpe em curso no Brasil.
No portal
Vermelho
Entre
os opositores da combatida – e ameaçada de perder o cargo – presidente do
Brasil, Dilma Rousseff, existe um grupo com interesses comuns que se pensava
haver perdido seu poder político há cerca de um século: os donos de escravos.
Há alguns dias um artigo no The New York Times, que documentou os muitos crimes
dos políticos envolvidos no processo de impeachment, disse o seguinte acerca de
Beto Mansur, um ardoroso deputado em sua oposição ao Partido dos Trabalhadores
(ou PT): “Ele é acusado de manter 46 trabalhadores em suas fazendas de soja no
Estado de Goiás em condições tão deploráveis que os investigadores disseram
serem eles tratados como escravos modernos.”
A
escravidão não é, claro, o principal eixo de conflito entre o governo do PT e
seus opositores. Outros – incluindo Mark Weisbrot, Glenn Greenwald, David
Mirada, Andrew Fishman, Gianpaolo Baiocchi, Ben Norton e Dave Zirin –
documentaram os muitos e diferentes interesses de classe e de status que se
aliaram, usando o bordão da “anti-corrupção” tanto para desviar a atenção de
sua própria venalidade como para começar a reversão das políticas levemente
redistribucionistas do PT, que vem governando o Brasil desde 2003 . Quando se
menciona a escravidão, isto é geralmente feito como uma herança. O Brasil
importou mais africanos escravizados que qualquer outra nação americana, e foi
o último país do hemisfério a abolir a instituição, em 1888. Como é o caso das
nações historicamente fundadas sobre o colonialismo e a escravidão, a política
econômica federal do PT, orientada para o alívio da pobreza e redução da
desigualdade, tem um viés racial. Isto era verdade em 1964 quando um governo
levemente reformista foi derrubado em um golpe (como minha colega da MYU,
Barbara Weinstein, escreve em seu maravilhoso novo livro The Color of
Modernity: São Paolo and the Making of Race and Nation in Brazil - A Cor da
Modernidade: São Paulo e a Formação da Raça e da Nação no Brasil). E é verdade
hoje, 56 anos depois.
Mas,
na verdade, a escravidão ainda existe no Brasil, na Amazônia (como escrevi em
Fordlândia, com base nesta investigação da Bloomberg), e cada vez mais nas
plantações de soja do interior. A escravidão moderna é, como um funcionário do
Ministério do Trabalho o declara, uma "parte essencial da economia
globalizada, orientada para a exportação, sobre a qual o Brasil prospera."
Os trabalhadores são coagidos quer por meios violentos, quer por força de seus
débitos a fornecer trabalho sem compensação e forçados a suportar as condições
mais desumanas. Eles forjam ferro-gusa para alimentar a indústria de aço do
Brasil, colhem soja, derrubam florestas tropicais, cortam cana-de-açúcar e
servem como empregadas domésticas.
Uma
das primeiras coisas que o governo do PT fez quando assumiu em 2003, depois que
Luiz Inácio Lula da Silva alcançou a presidência, foi criar uma “lista suja” de
“centenas empresas e empregadores individuais que foram investigados por
fiscais trabalhistas e descobertos como usuários de escravos. Os empregadores
nesta lista estão impedidos de receber empréstimos do governo e têm restrições
colocadas sobre as vendas de seus produtos." O PT também intensificou os
esforços para "emancipar "os escravos modernos:" Em 2003, um
plano nacional de erradicação do trabalho escravo atualizou a legislação e
introduziu um sistema de procuradores e juízes do trabalho. "Entre 2003 e
2015," o governo resgatou 44.483 trabalhadores do que chama
"condições análogas à escravidão."
A
"lista suja", juntamente com outras iniciativas abolicionistas do PT,
provocou uma reação por parte daqueles interesses econômicos que lucram com a
escravidão moderna. No final de 2014, a Suprema Corte do país, que tem apoiado
decididamente os que desejam o impeachment da Dilma, emitiu uma liminar contra
o Ministério do Trabalho para que este suspendesse o lançamento de uma nova
lista de donos de escravos. A decisão foi tomada para favorecer a associação
dos proprietários e construtoras do Brasil. E muitos desses interesses,
incluindo políticos ruralistas como Beto Mansur, encontram-se entre aqueles que
pressionam para a queda de Dilma e a destruição do PT. O principal grupo de
lobby da agro-indústria brasileira, a Confederação Nacional da Agricultura e
Pecuária, que apoia a derrubada de Dilma, tem se oposto à "lista
suja" há anos. Uma investigação feita pelo Repórter Brasil, uma ONG que
combate o trabalho forçado, revela que os partidos políticos por trás do
impeachment (incluindo o Partido do Movimento Democrático do Brasil, o partido
de Eduardo Cunha, o líder do Congresso da Câmara dos Deputados do Brasil e que
organizou o impeachment) são aqueles que receberam a maior parte das doações
políticas de empresas que lucraram com o trabalho escravo.
Os
lucros produzidos pelo trabalho escravo no Brasil são relativamente insignificantes
se comparados à riqueza dos principais promotores da crise política: as elites
ligadas às finanças, à energia, à mídia e à industria. Mas a luta em torno da
escravidão no Brasil revela o que em última análise está em jogo no conflito.
Muitos dos políticos agora que procuram derrubar Dilma ficaram espetacularmente
ricos ou representam outros que se enriqueceram espetacularmente durante os
bons tempos da primeira década dos mandatos do PT, aproximadamente de 2003 a
2013, durante os dois termos de Lula e o primeiro da Dilma. No entanto, eles
jamais aceitaram a ideia de que deveriam subordinar seus interesses
particulares ao projeto maior do PT, a despeito do fato de que foi este projeto
– incluindo uma leve redistribuição – que impulsionou o consumo interno e os
tornou espetacularmente ricos. A exportação de soja explodiu sob o governo do
PT, dando origem a toda uma classe de barões no interior, alguns dos quais,
incluindo homens como Mansur detêm assentos no Congresso. E apesar dos esforços
agressivos do PT para erradicar a escravidão moderna, o trabalho forçado na
verdade aumentou sob seu governo, na medida em que cresceram as indústrias que
utilizaram trabalho forçado, entre as quais eles a da soja, a do etanol e a do
açúcar.
A
escravidão, conquanto relativamente pequena frente ao quadro maior do mercado
de trabalho do Brasil, representa a fina borda de um princípio mais amplo: o
direito das elites brasileiras de explorarem os seres humanos e a natureza tão
implacavelmente quanto o desejarem. Como já está amplamente divulgado, a
presidente eleita duas vezes no Brasil está hoje prestes a ser afastada do
cargo, o que pode acontecer logo na primeira semana de maio. Sua destituição
pode ser chamada de muitas coisas, entre elas um golpe da mídia e um golpe
constitucional. Pelo menos em parte, ela é também um golpe dos donos de
escravos.
Veja o texto original em inglês
Fonte: Carta Maior
Traduzido por Anivaldo Padilha
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Veja o texto original em inglês
Fonte: Carta Maior
Traduzido por Anivaldo Padilha
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