Futebol
também é contaminado por versões que não são verdadeiras
Com
as tecnologias atuais, as narrativas estão mais próximas da realidade
Tostão, Folha de
S. Paulo
Quando chego à janela de meu apartamento e vejo as ruas vazias,
lembro dos filmes de guerra. A ficção tornou-se realidade. Quando começará a
diminuição progressiva do número de infectados e de mortos?
Por outro lado, o coronavírus poderá salvar o mundo, quando
acabar a epidemia, pois, provavelmente, haverá mudanças no comportamento de um
grande número de cidadãos e de governantes.
Daqui a 100 anos, como a história contará a atual tragédia?
Deduzo que, com as atuais tecnologia e informação, as narrativas estarão muito
mais próximas da realidade e da verdade que no passado. Com o tempo, os fatos
eram modificados pelas versões e pelos relatos pouco precisos, às vezes,
literários.
No futebol, também é assim. Mesmo quando fomos testemunhas da
história e contamos fatos de uma maneira diferente, prevalece o achismo, as
deduções, as versões e os boatos.
Desde a Copa de 1970, falam que o ditador Garrastazu Médici exigiu de Zagallo a convocação de Dario.
O técnico convocou Dario e Roberto e dispensou os craques Zé
Carlos e Dirceu Lopes, com o argumento de que havia um excesso de
meio-campistas e nenhum centroavante, já que eu era um meia-atacante no
Cruzeiro. Toninho Guerreiro, do Santos,
o melhor dos centroavantes, tinha sido dispensado por contusão. O boato é de
que o médico da seleção, que era o mesmo do Botafogo, teria inventado a lesão
de Toninho, para que Zagallo pudesse chamar Roberto, também do Botafogo, time
do treinador.
Contam muito também que houve uma ordem da nefasta ditadura para
que ninguém falasse sobre política na seleção brasileira. Não houve essa ordem, mas
não havia ambiente para isso, pois o desejo principal era se preparar muito bem
e ganhar o Mundial. Um desejo bastante compreensível para os jovens que
sonhavam com a glória.
Em uma entrevista para o Pasquim, único jornal brasileiro que
contestava ostensivamente a ditadura, reclamei da falta de liberdade e elogiei
dom Hélder Câmara, na época, bispo de Olinda, que era perseguido pela
ditadura. João Saldanha, técnico da seleção, me deu um
afetuoso abraço pela entrevista.
Várias histórias, em todas as áreas, muitas vezes, são contadas
mais pelas exceções e também por discursos oportunistas e midiáticos do que
pela realidade. Outras são impossíveis de serem confirmadas.
Há quase um consenso que, se Ronaldinho Gaúcho, que continua preso no
Paraguai, tivesse brilhado por muitos anos, como fez nas duas temporadas pelo
Barcelona, quando foi eleito o melhor do mundo duas vezes, ficaria na história
no nível de Maradona ou de Messi. A maioria diz
também que isso não ocorreu porque Ronaldinho perdeu o foco de atleta e passou
apenas a se divertir, dentro e fora de campo.
Tenho dúvidas sobre tudo isso.
Penso que brilhou tanto no Barcelona porque encontrou, no clube,
no time e na poética cidade, as condições ideias para unir sua técnica, sua fantasia
e sua magia. A saída do Barcelona é, para mim, o fator principal da queda de
Ronaldinho.
Ou os dois anos do jogador foram uma exceção, e não a regra?
Mesmo assim, Ronaldinho foi excelente na maioria dos times em
que jogou após o Barcelona. Era criticado, porque queriam que ele jogasse no
mesmo nível, o que era impossível.
No Atlético, em alguns momentos, foi tão espetacular, que chegou
próximo do auge. Faltaram o prestígio e o glamour mundial do Barcelona.
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