Seleção de 1970 foi encantadora e
revolucionária para a época
Lembranças
são de um time superior fisicamente e Zagalo foi um estrategista
Tostão, Folha de S. Paulo
Neste domingo (19), poderemos ver pelo SporTV a final da Copa do Mundo de 1970.
Muitos dirão que a seleção brasileira foi espetacular, melhor até do que se
dizia, enquanto outros falarão que o futebol era muito lento, que era uma
grande equipe, mas nem tanto.
No
passado e no presente, há grandes times e jogadores e também os razoáveis e os
ruins. Não podemos confundir a deliciosa memória afetiva com o saudosismo, em
achar que tudo antes era superior, nem se iludir que a vida e o futebol
começaram com a internet.
Na véspera da final, na reunião dos jogadores com a comissão
técnica, combinamos que, quando Jairzinho entrasse em diagonal e fosse
acompanhado pelo lateral da Itália, Carlos Alberto avançaria
pela direita. Combinamos também que eu jogaria entre os quatro defensores, que
faziam a marcação individual, e o zagueiro da sobra, para evitar que ele saísse
na cobertura. Um marcaria o outro.
Saiu
tudo como planejado. Foi também uma vitória tática.
Eu
sabia que pouco pegaria na bola, espremido entre os defensores. Mas sabia
também que era necessário. Senti-me importante. Repito, não fui um clássico
centroavante, finalizador, nem um meia-atacante, como era no Cruzeiro, com um
centroavante à minha frente. Em um time com dois atacantes excepcionais,
agressivos e artilheiros, como Pelé e
Jairzinho, era preciso um centroavante armador, um facilitador.
Na
véspera da final, como aconteceu antes de todos os jogos do Brasil na Copa do
México, houve um encontro entre alguns jogadores, uns seis, que se revezavam.
Ninguém era obrigado ou coagido a participar. Um dos presentes fazia uma
reflexão inicial sobre futebol ou sobre o que quisesse. Alguns gostavam de
rezar. Só não se falava sobre estratégia de jogo, o que acontecia na reunião
com os integrantes da comissão técnica.
Naquele último encontro, houve uma exceção, e foi convidado para
falar o doutor Roberto Abdala Moura, que tinha me operado do olho e que
assistiu a todos os jogos no estádio, a convite da comissão técnica. Após as
partidas, ele viajava para Houston, nos Estados Unidos, onde morava.
Doutor
Roberto disse na preleção: “Parafraseando Padre Antônio Vieira, o contrário da
luz não é a escuridão, mas sim uma luz mais forte, pois, na escuridão, qualquer
luz brilha, por menos intensa que seja. Ao lado de uma luz forte, as luzes
menores não são detectadas, como que se apagam. E nossa luz, a da seleção, será
mais brilhante”.
Na
manhã da partida decisiva, tomamos café juntos, já que o jogo seria ao
meio-dia, sob intenso calor. Havia um silêncio. De repente, Dario, meu reserva,
levantou-se, olhou para Zagallo e disse que havia sonhado ter feito três gols e
que garantia os gols no jogo, se fosse escalado. Todos deram gargalhadas.
Não
houve surpresa na final. No intervalo (estava 1 a 1), havia, no vestiário, um
consenso de que o segundo tempo seria mais fácil, já que era evidente o cansaço
dos italianos, por causa do calor, da marcação individual, da semifinal
desgastante contra a Alemanha e porque o Brasil tinha o melhor preparo físico
da Copa. Em um canto, como era habitual, Gérson fumou seu cigarro.
A
seleção brasileira foi encantadora e revolucionária para a época. Zagallo era
um estrategista, o que era raro. Ele foi importante para a conquista. A seleção
unia o talento individual com o coletivo, a fantasia e a inventividade com a
organização e a disciplina tática. “O que a memória amou se torna eterno”
(Adélia Prado).
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