A oportunidade de retomar o projeto
industrial da Embraer, por Luis Nassif
O acionista só analisa o fluxo de resultados da empresa. O interesse
nacional analisa as chamadas externalidades positivas, o impacto na criação da
cadeia de fornecedores, na geração de empregos
Luis Nassif, Jornal GGN
Há um
desconhecimento básico da lógica da fabricação de aviões. Não existe separação
entre tecnologia de aviões militares e civis. Os militares permitem, muitas
vezes, o desenvolvimento de tecnologias que só ganham escala se houver
aproveitamento na fabricação civil.
No
caso da Embraer, além da interação entre indústria de defesa e comercial, há
todo um ecossistema tecnológico desenvolvido no seu entorno, e que poderia ser
destruído se houvesse a concretização da venda para a Boeing.
Há
duas lógicas em relação à Embraer. A lógica dos acionistas é obter o máximo de
retorno do capital investido; e a lógica nacional, que leva em conta os
impactos da empresa no desenvolvimento tecnológico e na criação de um
ecossistema de inovação.
O
acionista só analisa o fluxo de resultados da empresa. O interesse nacional
analisa as chamadas externalidades positivas, o impacto na criação da cadeia de
fornecedores, na geração de empregos e tributos, no desenvolvimento tecnológico
– que se esparrama pelos fornecedores e pelo sistema brasileiro de inovação.
Justamente
por isso, na sua privatização foi mantida uma “golden share” nas mãos do
Estado, o direito do governo de opinar sobre mudanças de controle da empresa,
para impedir que resultem em prejuízo do interesse nacional. O governo Michel
Temer ignorou esse interesse, quando a Boeing apareceu com um caminhão de
dinheiro oferecido aos acionistas, permitindo a venda do controle.
A
licitação FX, de aquisição dos novos caças brasileiros, foi vencida pela Gripen
sueca – escolha da Aeronáutica -, devido à possibilidade de transferência de
tecnologia para empresas brasileiras que participariam conjuntamente do seu
desenvolvimento.
Além
de sócios na fabricação do Gripen, a tecnologia absorvida serviria para dar um
enorme impulso na fabricação dos aviões executivos e de médio porte da Embraer
e se espalhar por outros setores da economia.
A venda
para a Boeing encerraria esse ciclo. A tecnologia absorvida na parceria com a
Gripen não poderia mais ser aproveitada pela aviação comercial e executiva. E
haveria enorme perda de escala nos custos de desenvolvimento e no
desenvolvimento tecnológico nacional.
A
Aeronáutica se preparou com esmero para essa parceria com a sueca Saab,
envolvendo governo federal – que entrou com os recursos -, rede de fornecedores
brasileiros e engenharia militar.
Para
tocar o projeto, foi criada uma Comissão Coordenador do Programa Aeronave de
Combate (Copac), diretamente subordinada ao Diretor-Geral do Departamento de
Ciência e Tecnologia Aeroespacial, vinculada ao Estado-Maior da Aeronáutica.
Coube ao Copac negociar os acordos de offset (as contrapartidas exigidas do
parceiro externo, como condição para a importação de bens).
Acertado
o acordo, de fabricação inicial de 15 aviões, todos os parceiros nacionais
selecionados enviaram engenheiros e técnicos para a Suécia, para absorver
várias tecnologias envolvidas no projeto.
A
Embraer enviou 160 engenheiros e 80 técnicos para a Suécia. A Atech mandou 26
engenheiros para absorver a tecnologia de simuladores e sistemas de suporte. A
Mectron enviou 12 engenheiros, para integração de armamento, data link e
suporte logístico ao radar. A Akaer, mais 7 engenheiros, para absorver os
conhecimentos sobre desenvolvimento da estrutura das aeronaves. A Inbra outros
43 profissionais para conhecer os sistemas de fuselagem dianteira, traseira, asa.
A AEL outros 8 engenheiros, para a área de desenvolvimento de Equipamentos
aviônicos e software.
Esse
conhecimento ajudaria no desenvolvimento de novos aviões executivos e
comerciais e transbordaria para outros setores da economia e até para
exportação futura.
No
início da parceria, previa-se a criação de 2.300 emprego diretos no setor
aeroespacial e 14.650 empregos em outros setores da economia.
Com
a desistência da Boeing, e com a necessidade de aporte por parte do BNDES, é a
oportunidade de repensar a reintegração da Embraer ao projeto original.
É hora
da Aeronáutica defender seu projeto original, ajudado, agora, pela
explicitação, nessa guerra contra o coronavirus, da importância da tecnologia
autônoma.
Porque
se depender do terraplanismo ideológico de Paulo Guedes, sua reação a um
eventual desaparecimento da Embraer será similar à do seu chefe, quando
informado das mais de 5 mil mortes por coronavirus no Brasil: “e daí?”.
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