11 novembro 2020

Crônica de fim de tarde

Meus espelhos nas estantes

Luciano Siqueira

 

Aqui em casa a biblioteca é considerada espaço nobre, embora ocupe apenas um dos três quartos do pequeno apartamento e abrigue 19 estantes de tamanhos variáveis e três lances de quatro gavetas.

É que cada volume é um mundo!

O mundo de cada um de nós que a frequentamos, compartilhado com os inúmeros autores de múltiplos gêneros – da ciência política às artes plásticas, a fotografia e a literatura.

Num canto à esquerda, no alto, visíveis quando em minha mesa de trabalho, alguns livros de medicina.

Inúteis, já que não sou médico atuante há tanto tempo?

Úteis até demais, pois os visito eventualmente, quando um caso me desperta a curiosidade e revejo trechos que há muitos anos li e grifei.

Por que não consultar o Google, que seria muito mais prático?

As informações que me chegam na tela do computador não têm o calor das páginas que folheei há tanto tempo e que me fazem lembrar de casos como o do garoto Cícero, 10 anos, vítima de um empiema pleural por conta de pneumonia bacteriana.

E da mãe do Cícero que me abraçou aos prantos quando visitei o hospital anos depois, agora deputado da Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, e a encontrei numa das enfermarias da clínica médica e a chamei pelo nome.

O doutor deputado a reconheceu e a tratou como amiga! E não esqueceu do filho que salvara após quase dez dias de internação...

Pois bem, aqui entre livros leio, escrevo, cuido de tarefas de governo e do Partido em meio à pandemia, submetido a essa coisa desgastante que chamam home office.

Mas me aliviam os espelhos que tenho nas estantes, pois basta olhar um título para rever parte da vida vivida...

No Livro I de O Capital, de Marx, outro dia revi vestígios de minha luta para compreender a questão da mercadoria e do dinheiro. Nunca fui bom em economia política, pior ainda em economia financeira. Acho que entendo um mínimo para raciocinar politicamente.

Nas estantes de poesia e literatura em geral, reencontro os afetuosos amigos (assim os trato) Neruda, Drummond, Cecília Meireles, Vinícius, Fernando Pessoa, Paulo Leminski, Ariano, Dostoievski, Jorge Amado, Eça, Cortázar, Saint-Exupéry, Gorki, Raimundo Carrero, Rubem Braga, Mia Couto, Lima Barreto, os Veríssimo (pai e filho), Machado de Assis... A turma é imensa, daria uma baita assembleia.

Mas a minha vida já se aproxima do fim, creio. E por que conservar tantos volumes, boa parte dos quais dificilmente os lerei novamente?

Por uma questão de herança, ora. As filhas, os netos e os genros já se servem agora e terão o pequeno tesouro à disposição a vida toda.

E se reconhecerão nos meus espelhos.

Veja: De grão em grão a urna confirma o que se quer https://bit.ly/2U6Twlu

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