'Solo
para Vialejo' é o livro do ano; Djamila Ribeiro e Itamar Vieira Junior estão
entre os principais vencedores
Walter Porto, Folha de S. Paulo
Na
sua 62ª edição, o prêmio Jabuti seguiu sua
tendência recente de destacar obras publicadas por casas independentes. O livro
do ano foi "Solo para Vialejo", da pernambucana Cida Pedrosa,
publicado pela Cepe Editora, também de Pernambuco.
No ano passado, o
escolhido foi o ensaio "Uma História da Desigualdade", da editora
especializada Hucitec, e dois anos atrás o também poeta Mailson
Furtado Viana chamou atenção ao ser premiado por um livro
publicado de forma autônoma.
“Este
é um livro da volta, uma migração ao contrário, do mar para o sertão”, disse a
autora em seu agradecimento. “Eu conto onde encontro minha ancestralidade,
minha avó índia, meu pai, descendente de portugueses. As palavras e os sons da
minha memória não cabiam mais na cabeça e tinham que se espraiar na forma de um
livro.”
Não
é a única vitória da autora este mês, aliás. Pedrosa foi eleita vereadora do
Recife no último dia 15, pelo PC do B, partido para o qual ela diz que vai
ceder parte do prêmio de R$ 100 mil. Ela foi titular da secretarias da Mulher e
do Meio Ambiente na capital pernambucana.
O romance "Torto
Arado", de Itamar Vieira Junior, confirmou o favoritismo em sua
categoria, batendo concorrentes fortes como Chico Buarque,
Paulo Scott, Maria Valéria Rezende e Adriana Lisboa.
O
livro, publicado pela Todavia, narra o crescimento de duas irmãs em uma fazenda
no interior do Brasil, numa trama que se desenvolve para refletir sobre a
ancestralidade negra e a resistência dos povos quilombolas.
O debate sobre racismo deu o
tom de várias das escolhas da edição deste ano. Djamila Ribeiro, colunista deste jornal, teve seu "Pequeno Manual Antirracista"
premiado como melhor livro de ciências humanas, vencendo concorrentes fortes como Ailton Krenak,
Lilia Schwarcz e Heloisa Starling.
Além disso, saíram com prêmios o primeiro volume do
projeto "Escravidão", do
jornalista Laurentino Gomes, na categoria de biografia, documentário
e reportagem, e o juvenil "Palmares de Zumbi", de Leonardo Chalub.
Entre
os livros infantis, o escolhido foi "Da Minha Janela", de Otávio Júnior,
contado do ponto de vista do morador de uma favela do Rio de Janeiro. A Festa
Literária das Periferias (Flup) foi premiada na categoria fomento à leitura.
A
veterana Nélida Piñon ganhou entre as crônicas com "Uma Furtiva Lágrima",
livro que publicou ano passado pela Record logo antes de voltar aos romances com
"Um Dia Chegarei a Sagres". O romance anterior da
ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, "Vozes do Deserto",
ganhou o Jabuti de Livro do Ano há 16 anos.
Carla
Bessa foi a contista laureada desta edição por "Urubus", que saiu
pela editora Confraria do Vento. Na nova categoria de romance de
entretenimento, inaugurada este ano, o escolhido foi Raphael
Montes, pelo thriller "Uma Mulher no Escuro".
A
homenageada da edição foi a poeta mineira Adélia Prado. A autora fez uma rara
aparição por vídeo, defendendo o poder da literatura de "fraternizar as
pessoas". "Que toda aquela letra que possa produzir beleza possa
continuar levando para as pessoas aquilo que há de mais importante, o
sentimento, aquilo que nos torna humanos". A poesia, disse ela, "é o
rastro divino na brutalidade das coisas".
Apresentado
pela jornalista Maju Coutinho, o prêmio começou com manifestações em defesa das
livrarias, fortemente afetadas pela
crise do coronavírus —divulgando projetos como o Retomada, que
direcionou R$ 10 mil a mais de 50 estabelecimentos— e contra a taxação de livros proposta na
reforma tributária do governo Jair Bolsonaro.
"O
livro não deve ser qualificado e muito menos taxado como um produto para a
elite", afirmou Vitor Tavares, presidente da Câmara Brasileira do Livro,
trazendo dados que apontavam o interesse das classes sociais mais baixas em
consumir obras literárias.
Ao
final da cerimônia, Tavares agradeceu ao editor Pedro Almeida, que renunciou à curadoria do
Jabuti no começo do ano após se envolver em polêmica. Uma carta com mais de 5.000
assinaturas pediu sua saída do cargo após o editor fazer uma
publicação, nas suas redes sociais, que minimizava as mortes pelo coronavírus.
Ruy
Castro e Reinaldo José Lopes, ambos colunistas deste jornal, estavam entre os
finalistas da premiação, respectivamente, nas categorias de biografias e de
ciências.
Veja: A literatura é uma agulha na estupidez https://bit.ly/3nvQiVq
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