10 maio 2016

Estado nada democrático nem de direito

Instituições lamentavelmente anarquizadas
Luciano Siqueira, no Blog do Renato e no Blog da Folha

Ainda nos primeiros tempos do retorno do exílio, precisamente em 1982, conversávamos Miguel Arraes, eu e ex-deputado Artur Lima Cavalcanti, e o tema era a necessidade do ex-governador retornar de imediato aos embates eleitorais.
- Vocês não me deixam envelhecer, redarguiu Arraes, esquivando-se de uma disputa majoritária imediata.
- A ditadura militar é que o mantém jovem, Dr. Arraes, contra-argumentei.
Nos vinte e um anos de ditadura não haviam se formado novos quadros com a estatura do próprio Arraes, Brizola, Ulysses e outros que então ocupavam o centro da cena política.
Sem liberdade não há debate nem a indispensável peleja em torno de projetos para o País em campo aberto. Como forjar novas lideranças?
Superada a ditadura, passadas quase três décadas, constatamos hoje que nossa jovem e instável democracia carece de instituições sólidas.
Também não terá havido tempo suficiente para plasmar os três poderes da República com experiências, vivências e quadros capazes de abordar à luz do Estado democrático de direito as grandes questões nacionais.
Nem um prolongado e amadurecido embate em torno dos rumos do País.
Assim, desde que se apresentou a possibilidade de uma transição da ordem neoliberal vigente a um novo projeto de Brasil, a partir do primeiro governo Lula, as elites dominantes (o rentismo à frente) cuidaram de sabotar as mudanças em curso sob múltiplas formas e mecanismos.
As forças governantes, o PT hegemônico, sobretudo, por seu turno, realizaram proezas notáveis na área social e na reinserção do Brasil no concerto internacional, porém se mostraram incapazes de reformar a superestrutura jurídica estatal.
O contraste entre as transformações econômicas, sociais e culturais em vigência e a rigidez conservadora das instituições estatais abriria uma das veredas pelas quais transitaria a resistência às mudanças e o projeto de regressão neoliberal.
É o que vemos hoje – do espetacularizado processo do “mensalão” ao desmoralizado impeachment da presidenta Dilma: instituições ultraconservadoras e ao mesmo tempo frágeis diante das aspirações nacionais, sujeitas a todo tipo de manobra e conspirata. Contra o povo.
A cena mais recente, de ontem e hoje, desencadeada pelo ato do presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), anulando o impeachment e em seguida voltando atrás, deu azo a uma gama de ridículas manifestações de políticos, articulistas e autoridades judiciárias, temendo o “desrespeito às instituições” (sic).
Que instituições são hoje respeitáveis, cara pálida, se a Constituição virou brinquedo ao sabor anárquico das interpretações dos golpistas?
Qualquer que seja o desfecho do impeachment no Senado, o conflito político e social se elevará. Nele, o campo democrático e progressista, operando sob correlação de forças momentaneamente adversa, haverá que incluir em sua agenda, definitivamente e pra valer, reformas estruturais sem as quais o Brasil não retomará seu desenvolvimento em bases sociais aceitáveis, soberanas e democráticas.

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