A política
habitacional na contramão
Guilherme Boulos, Folha de S. Paulo
Na última segunda (14), Michel Temer disse no programa "Roda Viva" que
seu governo "incentiva" o Minha Casa, Minha Vida. Causou
espanto que não tenha sido questionado por nenhum dos jornalistas presentes.
Desde sua posse, Temer suspendeu todas as contratações da faixa 1 do programa.
Essa é a faixa que faz do Minha Casa, Minha Vida um programa social de moradia
e não uma linha de crédito imobiliário. Destinada a famílias com renda mensal
inferior a R$ 1.800, a faixa 1 tem um patamar elevado de subsídio, o que
permite reduzir as prestações e tornar os critérios de adesão mais acessíveis.
O Minha Casa, Minha Vida tem muitos
problemas, a começar pelo papel protagonista das empreiteiras, que tem o poder
de definir a localização e, dentro de limites mínimos, a qualidade e tamanho
das casas. Mas tem uma importante qualidade: o subsídio reservado à faixa 1,
que inclui na política habitacional milhões de pessoas que, por não serem
"sujeitos de crédito" bancário, historicamente nunca puderam ter
acesso ao direito à moradia. É precisamente esta qualidade que está sendo
desmontada.
O Brasil tem hoje um deficit
habitacional de 6,06 milhões de famílias, segundo o último levantamento do IBGE.
Desse total, 84% estão na faixa de renda inferior a três salários mínimos.
Qualquer política que pretenda enfrentar a falta de moradia no país deveria,
portanto, ter foco nesse segmento. Deveria ainda aprender com a experiência
anterior e ampliar a modalidade Entidades, que demonstrou capacidade de
produzir casas melhores com valor menor, através da participação dos futuros
moradores na gestão do projeto e da obra. Os exemplos são muitos, a começar
pelo Condomínio João Cândido, entregue em 2014, com apartamentos de 63 m², três
dormitórios, varanda e elevador, utilizando o mesmo recurso com que as
empreiteiras entregam caixotes de 39 m².
Mas a política do governo Michel Temer
vai em sentido inverso. Ao mesmo tempo em que congelou a faixa 1 e descumpriu compromissos
de retomada do Entidades, ampliou as linhas de crédito para moradias de alto
padrão. Em julho, o governo dobrou o teto do valor dos imóveis financiados
pela Caixa, passando de R$ 1,5 milhão para imóveis de R$ 3 milhões.
E ampliou, nestes casos, a parcela financiável de 70% a 80% do valor total. É o
Minha Mansão, Minha Vida.
Todas as contratações de moradia desde
a posse de Temer tiveram foco nas faixas 2 e 3 do programa, que responde por
apenas 16% do deficit habitacional. Tentando tapar o sol com a peneira e manter
as aparências do Minha Casa, Minha Vida como programa social, o governo abriu
este mês a possibilidade de contratações para a chamada "faixa 1,5",
que permite o atendimento de famílias mais pobres, porém, com subsídio bem mais
reduzido e critérios de adesão próximos aos de mercado. Quem tiver restrição
cadastral está automaticamente excluído e a aferição dos critérios de renda é
extremamente rígida. É uma falsa solução para o problema.
Na prática, sem alarde, estão acabando
com o Minha Casa, Minha Vida como programa social e retomando a velha política
do BNH (Banco Nacional de Habitação) de tratar a moradia como ativo financeiro,
restrito a quem tenha capacidade de crédito imobiliário. Além de destinar a
maior parte do volume de recursos da Caixa para o financiamento de imóveis de
alto padrão. De direito, a moradia passa ao status de privilégio.
Esta opção política terá como
consequência previsível o agravamento da crise urbana e dos conflitos sociais.
A escalada recessiva, com aumento do desemprego e redução da renda dos
trabalhadores, já tem criado um aperto no orçamento familiar que vai tornando o
aluguel uma despesa quase impagável para milhões de brasileiros. O "ônus
excessivo com aluguel" tornou-se o principal fator do deficit
habitacional, especialmente nos grandes centros urbanos. Em São Paulo, responde
por 60% do total; no Rio, por 63%.
Some-se a isso a falta de perspectiva
de atendimento por programas públicos. O resultado será explosivo. É de se
esperar um novo ciclo de ocupações urbanas e de conflitos pela terra nas
periferias das grandes cidades. Se as ocupações e mobilizações pela moradia já
vinham crescendo –mesmo com o fator compensatório do Minha Casa, Minha Vida–
agora tendem a explodir, agravando ainda mais a tensão social no país.
Dirigir na contramão sempre trás sérios
riscos. Dirigir um governo na contramão das necessidades sociais,
principalmente de uma necessidade tão básica como a moradia, é colisão na certa.
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