País derrete e presidente ocupa-se com
apartamento que nem sequer existe
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
É ao menos original, para não dizer que
é cômico. O país derrete, com as atividades econômicas se desmilinguindo, o
desemprego crescendo, cai até a renda dos ricos, a maior empresa do país é
vendida em fatias, pouco falta para trocarem de donos os trilhões do pré-sal – e
o presidente da República passa a semana ocupando-se com um apartamento que nem
existe. Ou só existe no tráfico de influência de um (ex) ministro e na
advocacia administrativa do próprio presidente.
Se Dilma foi processada por crime de
responsabilidade, como quiseram os derrotados nas urnas, Michel Temer é
passível de processo, no mínimo, por crime de irresponsabilidade. É o que
explica a pressa de Aécio Neves e Fernando Henrique para cobri-lo com uma falsa
inocência. "Isso [a ação de Geddel] não atinge Temer nem de longe",
diz Aécio, que na presidência da Câmara foi o autor de algumas das benesses
mais indecentes desfrutadas pelos deputados.
Fernando Henrique define os atos de
Geddel e de Temer como "coisas pequenas". Comparados à entrega, por
ele, do Sistema de Vigilância da Amazônia à multinacional Raytheon, ou
confrontados com as privatizações que manipulou até pessoalmente (e com
gravação), de fato as ordinarices atuais são "coisas pequenas". Mas
se "o importante é não perder o rumo", só isso, Temer, Geddel,
Moreira e outros não o perderam. Nem desviam o país do rumo desastroso, único
que lhe podem dar com sua incompetência e leviandade.
O comprometimento de Michel Temer com a
manobra de Geddel não precisaria ser mais explícito. Sua acusação a Marcelo
Calero, de que "a decisão do Iphan criou dificuldades ao [seu]
gabinete" porque "Geddel está bastante irritado", diz o que
desejava de Calero: a ilegalidade de uma licença incabível, para não
"criar dificuldades" ao gabinete e, portanto, ao próprio Michel.
Apresentar a ilegalidade como a forma correta de conduta, quando está em causa
um interesse contrário à responsabilidade e à lei, é um comprometimento
inequívoco com o interesse e com o tráfico de influência que o impulsiona.
Tem a mesma clareza a igualdade de
ideia, e até de palavras, que Calero ouviu de Temer, de Eliseu Padilha e do
secretário de Assuntos Jurídicos, Gustavo Rocha, em ocasiões diferentes. Todos
lhe falaram em "construir uma saída", mandando "o processo para
a AGU", a Advocacia-Geral da União. Lá, como disse Temer a Calero, "a
ministra Grace Mendonça tem uma solução". A igualdade demonstra a
combinação de uma estratégia para afinal impor a ilegalidade. Fosse por já
terem a concordância de Grace Mendonça, como sugere a afirmação de Temer, fosse
por a verem como maleável.
Michel Temer não poderia mesmo ser
"atingido nem de longe". Está chafurdado na manobra de Geddel, a quem
buscou servir em autêntica advocacia administrativa em nível presidencial.
Corrupção, nada menos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário