Temer levou Geddel ao governo sabendo
a quem entregava o poder
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
O enredo em que se inclui a ação
audaciosa e impune de Geddel Vieira Lima não tem a simplicidade de um golpe a
mais de tráfico de influência, como é tratado. Se não está no início, Michel
Temer está no meio de um encadeamento de atos merecedores de mais do que uma
nova anotação na folha corrida de Geddel.
Entre os primeiros atos de pretensa
organização do seu governo, Temer decidiu extinguir o Ministério da Cultura, ao
qual se ligava o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
Iphan. Uma secretaria, de preferência pendurada na Presidência da República,
substituiria o ministério. A explicação para o rebaixamento foi a redução de
gasto. Inconvincente, porque o próprio Temer, surpreendido pela reação de intelectuais
e artistas, dizia serem mantidos na secretaria todos os programas e funções do
ministério. Logo, também os gastos significativos.
As críticas venceram. Temer recuou,
emitindo medida provisória de recriação do ministério. Nela, porém, uma farpa
intrometia a criação da Secretaria Nacional de Patrimônio Histórico. A exemplo
das demais secretarias, aninhada na Presidência. A finalidade desse órgão foi
captada pelo repórter Evandro Éboli ("O Globo") com a deputada Mara
Gabrilli, relatora da MP: "Mergulhei para entender a importância dessa
secretaria [Mara ouviu muita gente]. E vi que a importância dela era tirar a
importância do Iphan" –o responsável, entre muitos fins, por julgar a
relação entre o patrimônio ambiental e empreendimentos (oficiais ou privados)
que possam prejudicá-lo. Caso da edificação defendida pela advocacia
administrativa de Geddel Vieira Lima.
A deputada retirou da MP a criação da
secretaria que ia muito além da suspeição de finalidade. Ficou porém,
indelével, a autoria de Michel Temer na sequência de atos pouco explicados e
nada justificáveis, referentes a decisões sempre representativas de alto valor
financeiro, além de outros valores. Inalcançados os objetivos dos atos de
Temer, Geddel viu-se na contingência de pressionar o então ministro Marcelo
Calero, para obter-lhe a licença da edificação negada pelo Iphan.
Nesta altura, cabe um recuo no enredo,
para registrar dois outros atos inexplicados. O Instituto do Patrimônio na
Bahia é regido pelos mesmos princípios e fins do Iphan central, mas cedera a
licença. O prefeito de Salvador, ACM Neto, com tanta responsabilidade pelo
patrimônio ambiental da cidade quanto o Iphan, também autorizou a edificação
prejudicial. Em gravação telefônica do presidente da OAS, Léo Pinheiro, ficou a
comprovação de visita em que Geddel obteve concessão de ACM Neto. Mais de uma.
Fatos que mereceriam ser investigados.
Tanto ou mais do que eles, conviria uma
investigação da Polícia Federal da "compra" de apartamento alegada
por Geddel, como razão do seu interesse no gabarito extraordinário do prédio.
São dados importantes nos casos de advocacia administrativa, em que não são
raras retribuições em imóvel ou outros bens, se houver êxito da manobra no
governo para o privilégio pretendido. Investigar não só por se tratar de Geddel
com seu histórico particular, mas por muitos acreditarem que o Brasil pós-Lava
Jato não é mais o mesmo.
Na Câmara, Geddel já se livrou, com
apoio do PSDB, do depoimento sugerido mais em seu favor do que contra. Suas
lágrimas sensibilizaram os líderes. Geddel, aliás, é um caso de lacrimoso bem
sucedido. Como integrante dos "Anões do Orçamento", o grupo de
baixinhos que deturpava o Orçamento do país em favor dos próprios bolsos,
escapou da cassação por passar uma noite inteira chorando e implorando a Luís
Eduardo Magalhães, seu adversário, que conseguisse excluí-lo da lista de
punições em montagem naquelas horas. Hoje é uma pessoa rica, para a qual
Antonio Carlos Magalhães criou o bordão lembrado por determinadas informações:
"Geddel foi às compras". O patrimônio subira.
Calero duvidou da idoneidade de Geddel.
Michel Temer, não. Levou-o para a Presidência da República sabendo muito bem a
quem entregava uma boa fatia do poder. Se aí não for o início do enredo, Michel
Temer está ainda mais atrás.
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