Conheça os bilionários convidados para “reformar” a educação
brasileira de acordo com a sua ideologia
Helena Borges, The Intercept Brasil
NA PRIMEIRA AUDIÊNCIA pública feita no Congresso para debater a reforma do ensino médio, na
terça-feira, dia 1º, as ocupações foram um dos temas abordados. Contudo, as
falas de alguns parlamentares são o desenho perfeito da falta de compreensão
das demandas feitas pelos estudantes.
Talvez, se eles tivessem mais
voz nesse debate, não fosse tão difícil compreendê-los.
Em oposição à total surdez para com os
estudantes, os parlamentares são todos ouvidos para outro grupo: os
representantes de bilionários presidentes de fundações educacionais. Para as
audiências públicas que estão por vir foram convidados sete representantes de
fundações e institutos empresariais.
Mas, qual o problema em se ter bilionários
na mesa de debate? A princípio, nenhum. Na prática, além do fato de que não existe
almoço grátis, é necessário observar o tipo de educação que esses
grupos vislumbram como o “padrão de qualidade” – lembrando que a própria
existência de um “padrão de qualidade”, quando se fala sobre educação, já é
algo bastante questionável.
Fundações costumam se colocar como
apartidárias, porém, ao participarem ativamente da criação e execução de
políticas públicas — como está sendo o caso no debate sobre a reforma do ensino
médio — comportam-se, elas mesmas, como partidos.
É no mínimo curioso que as propostas de
reforma do ensino médio tenham ganhado força logo quando a tutela do MEC passa
para as mãos de jovens empreendedores e ex-Lemann fellows (o apelido dado
aqueles que receberam bolsa da Fundação Lemann). O Diário Oficial
da União do dia 2 de setembroavisou sobre a nomeação de Teresa
Pontual, ex-bolsista da fundação, para a Diretoria de Currículos e Educação
Integral do MEC. Menos de um mês depois, a MP foi assinada.
Outro exemplo é o caso de Maria Helena
Guimarães de Castro, uma das
sócias-fundadoras do Todos Pela Educação e membro da comissão técnica do movimento, hoje secretária-executiva do
MEC à frente da reforma.
Os interesses que ficam por trás
destes “partidos” nem sempre são facilmente notáveis. A filantropia pode ser
usada para vários fins: o honesto desejo por um mundo melhor, a “lavagem de consciência”, o tráfico de influência, e até a lavagem de dinheiro. Além das óbvias isenções fiscais e imunidades tributáriasconcedidas às fundações por todas as suas
benesses, há um ponto a mais quando se fala da ligação entre fundações
educacionais e grandes empresas: a formação dos funcionários.
A média brasileira de gastos com
treinamentos é de R$ 518 por
funcionário. Seria ótimo se os donos de grandes empresas pudessem
economizar esse dinheiro, que significa aproximadamente R$ 1,38 milhão anuais
por empresa escoando das companhias com mais de 500 funcionários. Já para a
Ambev, de Jorge Paulo Lemann — que também está à frente da Fundação Lemann —
significaria uma economia de aproximadamente R$ 20 milhões ao ano, afinal são
mais de 40 mil empregados. Se, ao
menos, no ensino técnico ou médio já fossem ministrados alguns dos treinamentos
necessários aos futuros empregados, empresários como Lemann não precisariam
gastar tanto com RH.
Depois de estudantes e
professores se manifestarem pedindo
um lugar à mesa de debate, o espaço para profissionais de educação foi
ampliado. Continuam sendo apenas 2 representantes dos alunos, mas subiu de 3
para 9 o total de professores entre os 57 convidados para audiências públicas
na comissão especial. Os lugares de honra, no entanto, permanecem reservados às
fundações e institutos empresariais.
A próxima audiência pública, por exemplo,
está marcada para a próxima terça, 8 de novembro, e contará com representantes
do Instituto Inspirare, Fundação Lemann e Instituto Unibanco. Muitos dos
representantes destes organismos receberam até mais de um convite, todos feitos
pelos 24 parlamentares
integrantes da comissão, para ir ao púlpito. Serão necessárias
outras audiências, no entanto. Afinal, são muitos os representantes de
fundações e institutos empresariais.
Quem o governo quer ouvir:
1_ Denis Mizne, diretor-executivo da Fundação Lemann
A fundação de Jorge Paulo Lemann, o homem mais
rico do Brasil e 19º entre os mais ricos do mundo. Espécie de
“Midas”, todos seus
investimentos são
certeiros e ajudam a engordar ainda mais a fortuna de R$ 103,59
bilhões do
“rei da cerveja”. Não por coincidência, uma de suas mais
recentes apostas é a Escola Eleva, que tem foco no ensino médio e
atua em período integral.
2_ Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto
Unibanco
O Instituto Unibanco é presidido por Pedro Moreira
Salles, o 9º colocado da lista dos bilionários brasileiros, com R$ 12,96 bilhões.
Empatados na mesma posição estão seus irmãos Walter Jr, João e Fernando. O
principal projeto do IU, Jovem de Futuro,
está comemorando uma década. Criado a
partir de uma parceria com o
MEC e com as secretarias estaduais, o instituto oferece consultorias
e treinamentos aos gestores de escolas públicas de ensino médio. Para colocar
as metodologias em prática, porém, é necessário que a escola adote a plataforma
tecnológica criada pelo instituto, que passou a constar no Guia de
Tecnologias do MEC.
3_ Ana Inoue, consultora de educação da Fundação Itaú
A Fundação Itaú é presidida por Alfredo
Egydio Setubal. Pedro Moreira Salles faz parte do conselho curador.
Os dois são membros do conselho
administrativo do
banco Itaú Unibanco, que controla tanto a Fundação Itaú quanto o Instituto
Unibanco.
O trabalho da Fundação é, em parcerias com
secretarias municipais e estaduais, oferecer consultorias para treinamento de
gestão aos
secretários de educação e aos diretores de escolas.
Sobre seus interesses políticos, o
secretário de Educação da Paraíba, Aléssio Trindade, que, inclusive, também
consta na lista de convidados pela comissão especial, resume:
“o Itaú-BBA lidera uma ação do Consed junto ao MEC, que é a reforma do Ensino
Médio, com a inserção da educação profissional”.
4_ Anna Penido, diretora executiva do Instituto Inspirare
O Instituto Inspirare é presidido por Bernardo Gradin, o 47º colocado na lista dos 70 maiores bilionários do Brasil. A origem da
fortuna de R$ 4,16 bilhões são empresas de construção e petroquímica.
Ex-presidente da Braskem, empresa petroquímica, e ex-acionista da Odebrecht,
Gradin foi mencionado por outro “ex” em delação premiada na Lava Jato: Paulo
Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras disse ter tratado de “pagamentos de
vantagens ilícitas” a ele.
Seu instituto está envolvido na proposta de “educação integral na prática”;
plataforma que “disponibiliza recursos organizados em eixos temáticos para
apoiar gestores e equipes técnicas na elaboração, implementação e avaliação de
programas de educação integral”. Outra iniciativa é a “Escola Digital”, uma plataforma virtual que oferece
ferramentas pedagógicas como vídeos, jogos, mapas e livros digitalizados.
5_ Priscila Fonseca da Cruz, presidente-executiva do “Todos pela
Educação”
O presidente do Conselho de Governança do
T.P.E. é Jorge Gerdau
Johannpeter, que já figurou na Forbes como 48º colocado na lista dos bilionários, em 2012. Hoje seu nome ainda aparece na famosa
lista, mas com menos destaque, já que seus módicos R$ 1,56 bilhão mal fazem
sombra aos demais concorrentes.
Como prêmio de consolação, entrou para uma
nova lista, a dos brasileiros
nomeados nos “Panama Papers”, maior vazamento de documentos da
história. Na lista, figuram 22 empresários nacionais que possuem ligação a
companhias abertas em paraísos fiscais. A de Gerdau consta como aberta em 2005,
para captar recursos no exterior, e desativada em
agosto de 2009.
O T.P.E. já se consagrou como influência nas
políticas públicas de educação. Fundado em 2006 como um movimento social, um
ano depois, deu nome a um
decreto que
estabelecia as diretrizes do
compromisso com
o plano de metas.
6_ David Saad, Diretor-presidente do Instituto Natura
Antônio Luiz
Seabra, fundador da Natura é dono de uma fortuna que totaliza R$ 4,12 bilhões. O Instituto Natura é
o principal
parceiro do ICE em
seus trabalhos de consultorias
dadas a secretarias estaduais de educação para implantação do ensino médio integral. Para entender seu papel, é
preciso, então, chegar ao último convidado VIP.
7_ Marcos Magalhães, Presidente do Instituto de
Co-Responsabilidade pela Educação (ICE)
Engenheiro aposentado, Marcos Magalhães não
desfruta de fortuna como os demais listados. Seu tesouro é outro: a amizade com
o atual ministro da educação, Mendonça Filho.
Em entrevista
realizada em 2012, Magalhães explicou o funcionamento de seu
trabalho: “Houve uma parceria em que nós trabalhamos, uma parceria público
privada (PPP) entre a secretaria e parceiros. Esses parceiros compreendem ONGs
e grupos empresariais locais do estado. Os grupos aportam o recurso financeiro,
e o ICE faz a consultoria.”
As consultorias são para implantação de
ensino médio integral. Partem de uma
experiência considerada exitosa, em Pernambuco, estado do ministro.
Já foram registrados casos de parcerias e contratos com secretarias de educação apontados como
irregulares. Nada que tivesse despertado a atenção da grande mídia
ou de órgãos investigadores.
Na mesma entrevista de 2012, Magalhães
deixou bem claro o que já pensava sobre os profissionais de educação: “A gente
fala que pedagogo tem visão um pouco, digamos, estreita do que é modelo educacional.” [ênfase adicionado]
A GENEROSIDADE É TAMANHA que
chega a despertar curiosidade. No caso específico do banco Itaú, por exemplo —
dono da Fundação Itaú e do Instituto Unibanco — é do tamanho de uma pilha de R$
188,8 milhões de reais, tudo investido apenas em educação e apenas em 2015, de
acordo com suas demonstrações contábeis.
Nos artigos publicados por especialistas do
Itaú sobre educação, o tom não é exatamente de caridade. Em “Educação,
produtividade e crescimento”, de janeiro deste ano, pode-se ler:
“Em 1992 os brasileiros estudavam 4,8 anos,
em média.
Em 2014, o número subiu para 8 anos.
Com esses resultados, a produtividade da mão de obra no
Brasil deveria estar aumentando, contribuindo para o crescimento do PIB potencial
do país. No
entanto, as estimativas de evolução da produtividade calculadas a partir das
contas nacionais e dos números do mercado de trabalho sugerem que, na melhor
das hipóteses, a produtividade ficou constante. Por que isso acontece?”
Fica bem claro que a mentalidade do
investimento em educação é aumentar a produtividade da massa trabalhadora.
Inclusive, essa é a ideia por trás da reforma do ensino médio: formar a massa
trabalhadora, e não indivíduos pensantes. É o que critica a professora de educação
física Viviane Coelho:
“As crianças e os adolescentes, eles têm que
passar por essa experimentação. Até porque quando eles se formam no ensino
médio eles não têm uma exata noção do que eles querem fazer, estão numa fase de
transição. Então todas as matérias são importantes. Mesmo que não seja a
aptidão, mas que se forme, que tenha a informação, então o aluno se forma de
uma maneira mais global.”
Essa mentalidade de formação de massa
trabalhadora fica desenhada no sumário
executivo sobre a reforma, publicado pelo Senado:
Ainda sobre o artigo publicado pelo Itaú, o
próprio texto responde à pergunta final (“por que a produtividade não aumenta,
apesar dos investimentos em educação?”) com três possíveis motivos:
1 – “As condições socioeconômicas para dar
às crianças boas condições de desenvolvimento no Brasil ainda estão longe dos
padrões internacionais”
2 – “Houve avanço na quantidade de pessoas
na escola e de tempo de permanência, mas não há sinais de que houve melhora na
qualidade do ensino”
3 – “O país ainda não parece ter encontrado
a melhor forma de gerar incentivos, via legislação, na direção de aumentos de
produtividade”
Caso o número três não tenha ficado claro, o
economista Caio Megale, que assina o artigo, explica: “Desta forma, o impulso
gerado pela educação, em países com legislações mais flexíveis, pode estar amortecido no Brasil”. Ou seja, apesar das
melhorias na educação, pode ser que nossa lei trabalhista esteja no caminho de
um aumento de produtividade.
O estudo “Ensino Médio no
Brasil e a privatização do público”, de Maria Raquel Caetano, Doutora
em Educação pela UFRGS, explica como essa influência de ideologia liberal se dá
na prática educacional: “Não são simplesmente os serviços de educação e de
ensino que estão sujeitos a formas de privatização: a própria política de
educação – por meio de assessorias, consultorias, pesquisas, avaliações e redes
de influências”.
Usando uma ideia de falta de produtividade
da escola, o desempenho em avaliações nacionais é usado para justificar a
necessidade de apoio do setor privado. Usando a melhoria da gestão como
argumento, aceita-se a contratação de serviços de formação de professores e
gestores, consultorias educacionais e serviços de avaliação. Ideia que,
inclusive, vem sendo apresentada como justificativa para a MP da reforma do
ensino médio.
Leia mais sobre temas da
atualidade: http://migre.me/kMGFD
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