Os intocáveis estão
dando um tiro no pé
Tereza Cruvinel,
Brasil 247
Nestes
últimos meses em que praticamente todos os setores da vida pública ficaram
moralmente rotos e esfarrapados, os condutores da Lava movimentaram-se sob um
halo de pureza e respeito pela cruzada contra a corrupção, que se projetou
também sobre o conjunto do Judiciário e do Ministério Público. Esta luz de
Curitiba agora começa a esmaecer, com os procuradores e juízes adentrando
também na bruma dos que defendem privilégios, quando buscam a prerrogativa de
não se submeterem à Constituição. O lobby dos procuradores contra a
possibilidade de responderem por crimes de responsabilidade, a ira dos juízes e
das instituições da magistratura contra a iniciativa do Senado de investigar os
supersalários e de aprovar uma lei sobre abuso de autoridades podem acabar sendo
um tiro no pé. Ao som das palmas começa a juntar-se um arrulho de rejeição a
esta busca da intocabilidade.
Nesta
quinta-feira o deputado Paulo Pimenta fez um vigoroso discurso contra o esforço
para transformar juízes e procuradores numa casta, advertindo para o risco de
estar sendo jogado fora todo o esforço para combater a corrupção e estabelecer
regras mais rígidas contra os privilégios de toda espécie, e também contra os
abusos de autoridade, em todas as esferas. “Qual é a lógica de se aprovar uma lei
mais dura contra a corrupção e ao mesmo tempo instituir-se uma casta de juízes
e promotores intocáveis, que não precisam respeitar o teto salarial e que não
podem ser investigados quando cometem crimes?”, perguntou Pimenta, dirigindo-se
às duas maiores estrelas da Lava Jato:
-
“Dallagnol, você está abaixo da lei. A Constituição deve valer para
todos. Sérgio Moro, você é um mortal como qualquer outro. Se você cometer um
crime, como cometeu quando divulgou interceptações ilegais da Presidenta da
República, você tem que responder por esse crime”.
É
quase inacreditável, disse Pimenta, que a Câmara tenha recebido uma comissão de
procuradores que veio de Curitiba, com dinheiro público, pressionar o relator
das “Dez Medidas contra a Corrupção” para não incluir no texto a possibilidade
de procuradores serem processados por crime de responsabilidade. E o
relator, deputado Onyx Lorenzoini, os atendeu. Como pode, num momento
destes, o Senado ser acusado de revanchismo por ter criado uma comissão para
investigar os supersalários que, em todos os poderes, ultrapassam o teto
constitucional? Recordou o deputado que jornais e jornalistas, país
afora, vêm sendo processados por divulgarem os salários do Judiciário.
Refrescando
as memórias, Pimenta citou alguns casos de juízes que, tendo incorrido em
delitos e desvios graves, foram punidos apenas com a aposentadoria de salário
integral.
1. Em
São Paulo, está provado que empresários pagaram a promotores para não serem
punidos pelo acidente no metrô e foram absolvidos. Contra o promotor, até
agora, nada.
2. Em
Santa Maria, ninguém foi condenado pelo acidente na boate Kiss, que matou
tantos jovens. Mas três pais e uma mãe estão sendo processados por um juiz que
se irritou com a cobrança deles sobre a demora no julgamento. Correm o risco de
serem os primeiros e talvez únicos condenados. Por “abuso do direito de
reclamar”.
3. Uma
juiza, envolvida com um dos maiores narcotraficantes do pais, que vendia
sentenças para traficantes, foi condenada pelo CNJ à pena máxima: aposentadoria
com salário integral.
4. Há
15 dias, aquela outra juiza que manteve uma jovem numa cela com mais de 20
homens no Pará, permitindo que fosse seguidamente estuprada, foi punida
com um afastamento do cargo por dois anos, preservado o salário integral.
Concurso
público, para juiz, procurador ou qualquer outro cargo, não torna ninguém mais
honesto nem o coloca acima da lei. Quem delega poder é o povo. Ao Executivo e
ao Legislativo, lembrou Pimenta concluindo: “Não podemos aceitar que sejam
agora entronizados como intocáveis estes príncipes da administração pública,
uma casta temida, protegida e privilegiada, que não pode ser investigada. Vamos
fazer o que tem de ser feito, mas para os três poderes. O Executivo, o
Legislativo e o Judiciário devem ser tratados da mesma forma. Essa é a
expectativa da sociedade”.
Volto
ao tiro no pé. Os que acreditaram que a Lava Jato ajudaria a passar o Brasil a
limpo, agora se surpreendem com a seletividade da cruzada moralizante. E
não será bom para um país já tão enfermo que caiam todos na vala comum,
inclusive os que vinham sendo vistos como puros e salvadores da pátria.
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