China lança moeda digital e ameaça reinado do dólar no comércio internacional
Mario Cesar Carvalho, Poder360
A China
resolveu jogar todas as cartas numa corrida nada maluca que tem uma meta dupla:
reviver o período em que o país era o celeiro das invenções – o tempo mítico do
“império do centro” do mundo – e experimentar o doce sabor da vingança de quem
foi humilhado por países ocidentais e orientais. Da época áurea a China deixou
invenções geniais como a imprensa (muito antes de Gutenberg), os foguetes como
arma de guerra e o dinheiro de papel.
A
moeda de metal era o dinheiro do mundo no século 8, quando os chineses criaram
o dinheiro em papel, que só iria se popularizar 4 séculos depois. É essa
invenção que os chineses começam a sepultar agora, com a criação do yuan digital –a
primeira moeda digital de uma superpotência que não está restrita a nichos de
mercado e tem a chancela do Banco Central chinês.
A adoção
da nova forma de dinheiro é tão radical e inovadora que economistas e
banqueiros dos Estados Unidos recomendam que o governo trate o yuan digital
como uma questão de segurança nacional. Não é uma ameaça para amanhã, mas pode
ser o começo do fim do reinado do dólar no comércio internacional, papel que a
moeda norte-americana desempenha desde o fim da 2ª Guerra Mundial (1939-1945).
Tanto o Tesouro dos EUA quanto o Banco Central dizem que estudam seriamente o
caso chinês para lançar o dólar digital no futuro.
A
invenção do dinheiro em papel tem uma relação mais ou menos óbvia com o
dinheiro digital. Até a invenção do papel na dinastia Song (960-1279), havia
uma relação entre o valor da moeda e o material no qual ela era cunhada
(bronze, prata ou ouro). Com o papel, some o valor do metal e começa a
abstração dos negócios do mundo moderno. Agora vai sumir a materialidade do
dinheiro.
Em
termos práticos, o yuan digital é um aplicativo do Banco Central chinês. Na
fase experimental, 100 mil chineses foram convidados a experimentar a nova
moeda, que vai conviver com notas e moedas que já estão em circulação. Para
fazer uma transição sem sustos para os usuários, a tela do aplicativo trás uma
imagem de nota com o retrato de Mao Tse-Tung (1893-1976), o líder da revolução
comunista que criou a China contemporânea.
O Banco
Central da China distribuiu a moeda digital para 6 grandes bancos comerciais,
todos estatais, que enviarão o recurso digital para bancos menores e
controladores de aplicativos como o WeChat (uma ferramenta chinesa que mistura
WhatsApp com carteira digital de pagamentos). Eu mando dinheiro para você, sem
nenhuma intermediação de bancos comerciais; só o banco central está no meio do
caminho. Acaba com a era de taxas, da mesma forma que o Pix brasileiro, e
atrasos nas transferências por problemas tecnológicos nos bancos.
Sem
intermediação não quer dizer sem controle. O yuan digital nasceu sob uma
cultura política que é a antípoda da que pariu as criptomoedas nos Estados
Unidos. Enquanto estas são anônimas por princípio, criada por libertários que
queriam evitar a interferência de governos, o yuan digital pode ser rastreado o
tempo todo. É uma ferramenta perfeita para ditaduras como a chinesa. Junto com
as tecnologias de identificação facial, o yuan digital pode levar as autoridades
a um criminoso em questão de minutos. Se você cometeu uma penalidade punida com
multa, o pagamento pode ser automático.
São
os aspectos negativos do dinheiro digital. O Estado pode saber tudo que você
compra. Será o maior teste à ideia em voga de que os chineses aceitam um grau
de interferência estatal que seria intolerável no Ocidente. Será que a nova
geração, nascida e criada no mundo digital, continuará com essa sina? Ou a
cultura digital vai dinamitar o autoritarismo, como sonham alguns pensadores
que defendem a ideia de que a tecnologia nunca é neutra?
O
principal ponto positivo do yuan digital é a facilidade e o barateamento das
transações internacionais. O câmbio para importação e exportação é um negócio
tão burocrático e complexo que existem até bancos especializados nesse nicho de
mercado. Seria uma bênção para o mundo se essa burocracia sumisse do mapa. A
China está criando protocolos internacionais junto com a principal entidade que
regula os bancos ao redor do mundo, o Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements),
baseada em Basiléia, na Suíça. O governo chinês também desenvolve protocolos
junto com Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes Unidos.
A
China não vai ficar sozinha nessa inovação. A Índia está finalizando um projeto
de moeda digital por meio de seu banco central. O Banco Mundial estima que
haverá uma corrida em busca de moedas digitais. Levantamento feito pela CBDC
Tracker aponta que 60 países estão preparando o lançamento de moedas digitais.
Há um mercado espetacular à espera dessas iniciativas. Há 1,7 bilhão de pessoas
no mundo que não tem conta bancária, segundo o Banco Mundial.
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