10 março 2009

Em defesa de Miguel Arraes

Do médico e amigo Luiz Cláudio de Alencar Arraes recebi por e-mail, há alguns dias, o texto abaixo. Demorei-me em transcrevê-lo porque desde a sexta-feira passada, em São Paulo, de onde retornei na madrugada da segunda-feira, atrasei-me na leitura de minha correspondência. Trata-se de uma carta à redação da Revista Continente Multicultural (não está explícito, mas é o que me parece). L.S.

Recife 5 de março de 2009

Senhor Editor: Tenho por dever em primeiro lugar o de assinalar a primorosa edição sobre os cem anos de nascimento deste grande homem, o nosso sempre querido D. Hélder Câmara.

O que me move a escrever para a seção de leitores é uma referência ao livro "Noiva da Revolução" do Sr. Francisco Oliveira. O livro é composto de duas partes, como bem explica o texto da revista. A segunda parte "Elegia para uma re(li)gião)" é uma reedição após mais de 30 anos fora de catálogo. Li este livro ainda adolescente sugerido por meu pai, a quem, entre outros, o livro é dedicado. O exemplar que ele me entregou continha anotações em quase todas as páginas. Ao entregá-lo para que o lesse ele comentou que aquele ensaio era um dos melhores estudos sobre a época; um livro de leitura obrigatória. A minha leitura confirmou as impressões de meu pai embora o meu entendimento então, e possivelmente até hoje, era mais superficial do que o dele.

O Sr. Francisco de Oliveira tem um filho chamado Miguel, em homenagem a meu pai.

Meu pai faleceu no dia 13 de agosto de 2005. Um sábado cinzento, havia algo de parado no ar, um paradoxal espanto inesperado, uma surpresa - triste surpresa - em muita gente. Estranho dia: não havia surpresa, havia uma dolorosa espera que todos ou alguns recusavam a aceitar.

O seu desaparecimento provocou muitas reações. Curiosamente eu esperava muito que aquela morte significaria para o sociólogo, hoje paulista. Ele ,de fato, manifestou-se. Disse que meu pai era um contador de história. Achei infame esta reação, em se tratando de uma pessoa que era muito mais do que isto.

A primeira parte é um emaranhado de reminiscências que se pretende um passeio poético pelo passado. Poderia sê-lo se tivesse algum traço de qualidade literária. Não tem.

O sociólogo mente. Vou me deter em uma mentira apenas no meio de tantas. Anotei todas as incorreções históricas contidas no livro, além das inverdades. Na vida ,com certa freqüência,somos obrigados a fazer algum tipo de trabalho sujo.

O episódio exemplar da má fé deste senhor é a sua narração, motivo de orgulho (sic), de sua presença durante todo o processo do golpe entre os dias 31/04/1964 a 1/5/1964. Ele teria detectado,através de uma péssima ligação telefônica entre meu pai e o presidente da república, João Goulart. Nesta ligação ele teria identificado uma leve ironia de Jango com o medo que meu pai deixaria transparecer. Sugiro que leiam as memórias de Celso Furtado onde o comportamento altivo e coerente de meu pai é descrito com grande precisão.

Nosso querido e saudoso Pelópidas Silveira, testemunha também do momento, sabia de cor cada palavra, cada gesto. Costumava chamar uma situação como esta da "hora histórica".Tive ainda acesso às anotações do diário do eminente Henri Desrosches, presente na cidade, fez questão de ficar junto dos mais fracos. Militarmente mais fracos, apenas.

O Professor parece ter abandonado o rigor analítico e reflexivo,o olhar objetivo e o pensamento subjetivo para analisar uma determinada situação social ou política. Abraçou-se com os adjetivos e esbraveja nas páginas dos jornais.Pouca gente o leva a sério nos dias de hoje. Ele trocou a sua obra por uma manchete de um jornal como "O Dia", por exemplo.

Outro aspecto de desconstrução, não de uma imagem, mas de uma pessoa é o fato dele considerar meu pai como uma "espécie" de Forrest Gump. Um homem, que não estava à altura dos acontecimentos, mas a história direcionou os fatos para que ele dela participasse e, por conseqüência, nela entrasse. O Senhor Oliveira sabe de quem está falando, sabe das qualidades intelectuais, de seu preparo intelectual conquistado às duras custas,do estrategista que foi. Sabe da constante obsessão daquele homem pela melhoria da vida dos mais pobres. Isto apenas bastaria para que ele não merecesse tal tratamento neste livrinho.
Meu pai sempre elogiou o Senhor Oliveira.

Paulo Francis deixou seguidores na esquerda; se é que esta palavra cabe neste Uspiano. Tenho uma cooperação científica com a USP. Lá estarei dia 20/3. Não é o centro do mundo,nem do universo;tão procurados!

O nome de meu pai é Miguel Arraes de Alencar.

Luiz Cláudio de Alencar Arraes

Um comentário:

Anônimo disse...

O missivista tem toda razão ao defender a memória do pai. Arraes é inatacável.
José Paulino