14 março 2009

Jango e a ditadura

No Vermelho, por Eduardo Bomfim:
O encontro

Estava com dois velhos amigos jantando num restaurante de Brasília quando passou por mim um cidadão de cinquenta anos mais ou menos, acompanhado da mulher e filhos, e sentou-se em uma mesa próxima. Era João Vicente Goulart, filho do presidente da República João Belchior Goulart.

João Goulart faleceu no exílio, no Uruguai, em circunstâncias misteriosas, provavelmente assassinado pela terrível Operação Condor, articulação criminosa dos regimes arbitrários do cone sul, que se especializou em liquidar lideranças desterradas da América do Sul.

Jango, como era chamado pelo povo e a imprensa, jamais retornou ao Brasil em vida, voltou em um caixão, em um dia de inverno, para ser enterrado no Rio Grande do Sul, em meados da década de setenta passada.

O regime ditatorial sempre teve por Jango mais pavor do que ódio, porque ele era uma vítima do arbítrio e uma liderança nacional que almejava reformas estruturais imprescindíveis. Os setores conservadores das elites tinham à época uma rejeição profunda a reformas que alterassem a fisionomia da nação. Era tudo que João Goulart desejava com ardor, apesar de ser um rico estancieiro com vastas propriedades nos pampas gaúchos e no Uruguai.

O mundo vivia sob a guerra fria e as nações do terceiro mundo que aspiravam sair do subdesenvolvimento estavam impedidas de perseguir seu destino de melhores dias para suas economias e seus povos.

E aquele senhor era à época uma criança que possivelmente não entendeu nada do que se passava com seus pais e deve ter amargado o exílio como uma aventura sem graça e sem sentido, arrancado de sua terra, sua língua portuguesa, seus amigos, sua paisagem. Levantei-me da mesa, dirigi-me a ele e o cumprimentei. Não sabia se solidário a ele ou a seu pai. De qualquer maneira senti-me cumprindo um dever de consciência e ele, surpreso e comovido, agradeceu-me.

Disse Darcy Ribeiro que João Goulart foi deposto em 64 não pelos seus defeitos, mas exatamente por suas virtudes de homem público, de presidente reformador econômico e social. Negou-se a trair seus amigos, como condição de permanecer no poder, e disse ao general que lhe fez a proposta: “General, se o senhor quiser, que me traia, mas eu jamais trairei os meus amigos”. Preferiu o exílio.

Era sobre tudo isso que ia falar a João Vicente Goulart, porém fiquei na solidariedade e o apreço. Ele já sabia, tenho certeza, da história e do caráter do pai.

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