15 fevereiro 2017

Retrocesso fundiário

Regularização fundiária para quem?
Luciano Siqueira, no Blog da Folha

Vivemos um tempo em que a tergiversação é arma de elevado poder ofensivo, porque reverberada por poderosas mídias, quando se quer defender privilégios e subtrair direitos.
O mote invariavelmente é algo que a todos incomoda – a burocracia estatal, por exemplo. 
Quem não reclama dos processos lentos, complicados e muitas vezes mediados pela figura do despachante para resolver algo relativamente simples, nas relações entre o cidadão e os órgãos públicos?
Daí a roupagem da desburocratizarão via de regra servir de glacê para um bolo indigesto aos que vivem do seu trabalho e não gozam de benesses.
Mesma lógica do “impostômetro”, patrocinado pelos que muito ganham e pouco pagam e se recusam a fazer também um “jurômetro”, porque se beneficiam da ciranda financeira.
É o que acontece agora quando, desde dezembro, o ilegítimo presidente da República Michel Temer encaminhou ao Congresso Nacional a Medida Provisória 759, destinada, entre outros objetivos, a "desburocratizar" a regularização fundiária rural e urbana.
Nada mais falso! 
O que a MP 759 pretende, isto sim, é atropelar os processos de desapropriação passando por cima de dispositivos legais essenciais em defesa dos que ocupam terras antes devolutas, no campo; e nas cidades, extensas e inúmeras áreas de ocupação "irregular", em decorrência da rápida urbanização verificada em nosso país.
Pois a Constituição Federal, em seu artigo 6º, assegura um rol de procedimentos jurídicos, urbanísticos, ambientais e sociais destinados a regularizar assentamentos considerados irregulares e o emitir o título de posso dos seus ocupantes. Em consonância com o caráter social da propriedade territorial urbana e o direito à sustentabilidade ambiental.
Numa apreciação mais atenta, a MP 759 rompe com o texto constitucional, pois adota dispositivos que, na prática, anulam critérios que garantem o interesse social e favorecem aos detentores de capital.
Assim, suprime o tratamento especial às áreas de interesse social por parte do Poder Público, inclusive o dever público de investir em infraestrutura e na requalificação urbanística das áreas, para assegurar condições de habitabilidade.
Em assentamentos “subnormais” (para usar uma expressão muito cara a alguns estudiosos), o licenciamento ambiental há de ser sempre diferenciado quando do processo de regularização fundiária. A MP 759 anula esse tratamento diferenciado, impondo restrições legais, portanto, prejudiciais à população dessas áreas.
Por outro lado, extingue a obrigatoriedade dos loteadores irregulares e grileiros de terras públicas a providenciarem medidas corretivas, transferindo ao poder público essa responsabilidade.
A matéria é complexa, o texto da MP longo e detalhado. Esse breve registro pergunta: desburocratizar para quem?

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