05 novembro 2020

Arte e técnica

Gênios não ganham campeonatos sozinhos

Futebol brasileiro se preocupou apenas em descobrir as exceções que resolveriam tudo

Tostão, Folha de S. Paulo

 

 

Uma das razões de os treinadores brasileiros serem exageradamente criticados quando perdem é o fato de que são excessivamente elogiados quando ganham. Equipes perdem e ganham por dezenas de fatores, especialmente pelos erros e acertos dos jogadores em momentos decisivos.

No domingo, o São Paulo venceu o Flamengo por 4 a 1, graças ao pênalti perdido por Bruno Henrique quando o jogo ainda estava 1 a 1, e porque foi brilhante na troca de passes desde o goleiro e por alternar as estratégias de pressionar e de recuar para marcar, formando duas linhas de quatro.

Na segunda-feira, o Palmeiras, usando, principalmente, os contra-ataques velozes, ganhou do Atlético, por 3 a 0.

Dizem que o novo técnico do Palmeiras, o português Abel Ferreira, gosta de pressionar e de sufocar o adversário, como joga o Atlético. Será que vai mudar os planos?

Há várias maneiras de vencer, desde que o planejamento seja bem executado. O Brasil, desde os anos 1960, somente ganhou quando teve um bom conjunto. Na Copa de 1970, a poesia e a prosa brasileira venceram a prosa italiana.

Não foi apenas a vitória da poesia, com disse, na época, o cineasta Pasolini, frase bastante repetida nos últimos 50 anos. A lenda de que o Brasil ganhou e brilhou somente porque tinha muitos craques e que não precisava de técnico fez mal ao futebol brasileiro.

Depois do Mundial, progressivamente, os europeus, com menos habilidade que os brasileiros, investiram no planejamento, dentro e fora de campo, na educação geral e especializada, no aprendizado e no aprimoramento técnico e na execução bem feita.

Já o Brasil dormiu em berço esplêndido, como se aqui só tivessem craques. A preocupação era apenas a de descobrir geniozinhos, as exceções que resolveriam tudo. Gênios não ganham sozinhos. Se o Brasil depender demais de Neymar, não vai ganhar o próximo Mundial.

Existe, no Brasil, um grande número de jovens habilidosos, fantasistas, velozes, mas com pouquíssima técnica. Foram pouco ajudados nas categorias de base, tratados como futuros craques.

Confundem técnica com habilidade. A técnica individual é a capacidade de executar bem os fundamentos da posição, além de ter muita lucidez para fazer as escolhas certas. A técnica coletiva é a capacidade de jogar e de ver o jogo, de perceber tudo o que acontece a sua volta, de sentir as necessidades dos companheiros e de ajudá-los. Assim, forma-se um ótimo conjunto.

Michael, do Flamengo, é rápido, driblador, habilidoso, mas erra demais nos passes, nas finalizações e nos cruzamentos. Foi pouco auxiliado nas categorias de base. Ainda pode evoluir, mas já perdeu um longo tempo.

Vinicius Junior é excelente jogador, já está na seleção e no Real Madrid, mas, se tivesse uma ótima técnica, seria mais um fenômeno do futebol brasileiro. Tem grandes dificuldades de jogar coletivamente.

Todos os grandes craques possuem uma excepcional técnica, individual e coletiva. Mesmo os mais habilidosos, artistas da bola, que costumavam dar show particular, como Maradona, Garrincha, Ronaldinho Gaúcho e outros, tinham também excepcional técnica.

Garrincha, em uma fração de segundo, driblava e colocava a bola para o companheiro, nas melhores condições de fazer o gol. Cristiano Ronaldo é pura técnica. Não precisa de muita habilidade para ser um fenômeno. Messi une a fantasia, a criatividade e a habilidade com uma grande técnica.

Não existe arte nem artista sem uma magistral técnica.

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