Olival Freire defende ciência soberana à frente do CNPq
Edição especial recebe o novo presidente do CNPq para discutir soberania científica, bolsas, universidades e estratégias de repatriação e retenção de pesquisadores.
Cezar Xavier/Vermelho
A edição especial do Entrelinhas Vermelhas, desta segunda-feira (22), recebe o físico e professor universitário Olival Freire Júnior, recém-empossado presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A entrevista aprofunda o debate sobre o papel estratégico da ciência na reconstrução do país após anos de desmonte institucional.
Com trajetória consolidada na gestão acadêmica e científica, Olival Freire assume o comando do CNPq em um momento decisivo para a retomada das políticas públicas de ciência, tecnologia e inovação.
Assista a íntegra da entrevista:
Do desmonte à reconstrução do CNPq
Ao longo da conversa, Olival Freire destaca a gravidade dos ataques sofridos pela ciência brasileira nos últimos anos, especialmente durante o período de negacionismo e cortes orçamentários. Segundo ele, a reconstrução é um processo complexo, pois “é sempre mais fácil destruir do que reconstruir”.
A restauração do orçamento do setor, a recomposição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) como fundo não contingenciável e a retomada do respeito institucional à ciência são apontadas como avanços decisivos do atual governo.
Segundo Freire, embora o atual governo tenha promovido avanços importantes, o impacto da destruição recente ainda é profundo. “É mais fácil destruir estruturas de um país do que reconstruí-las”, afirmou, ao destacar que o sistema científico sofreu “uma gravidade sem limites” no período anterior.
Ao avaliar o cenário herdado, Olival Freire ressaltou que o ataque à ciência atingiu inclusive setores historicamente ligados ao desenvolvimento tecnológico. “É difícil compreender como instituições com tradição científica embarcaram tão a fundo em um governo negacionista”, disse, citando o papel histórico das Forças Armadas na criação do próprio CNPq, que completará 75 anos.
Para ele, a virada ocorreu com a mudança política de 2022. “Essa característica mudou porque o povo brasileiro mudou a orientação política do país”, afirmou, ao associar a reconstrução científica à vitória de Lula nas eleições.
Bolsas, editais e valorização dos pesquisadores
Freire destacou como conquistas centrais a recomposição do orçamento da ciência, a liberação integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e o reajuste das bolsas de pesquisa. “Nós tivemos aumento no número de bolsas, reajuste no valor das bolsas e lançamento de editais estratégicos”, explicou.
Outro eixo central do programa é a política de bolsas e fomento à pesquisa. Olival Freire detalha o aumento no número de bolsas, o reajuste após uma década de congelamento e o relançamento de editais estratégicos, como o Universal e os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs).
Ele ressalta, contudo, que os desafios permanecem, especialmente diante da defasagem dos valores das bolsas e da necessidade de garantir direitos previdenciários aos pós-graduandos, tema em debate no Congresso Nacional.
Além dos números, o presidente do CNPq ressaltou a dimensão simbólica da retomada. “Houve uma valorização e um respeito em relação à ciência e aos cientistas”, disse, lembrando a recuperação de honrarias retiradas durante o governo anterior e a reabilitação institucional de pesquisadores perseguidos.
Soberania, desenvolvimento e política com ciência
A entrevista também aborda a ciência como indutora do desenvolvimento soberano. Olival Freire defende que áreas estratégicas — como transição energética, saúde, defesa, satélites e indústria farmacêutica — não podem depender de importações.
Freire defendeu que a ciência deve ocupar papel central na formulação das políticas de Estado. “A ciência não é apenas um valor cultural; ela deve ser a base para a elaboração de políticas públicas”, afirmou, citando a diretriz do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação de orientar decisões governamentais a partir de dados científicos.
Segundo ele, essa abordagem é essencial para enfrentar desafios estratégicos do país, como transição energética, saúde pública, indústria farmacêutica e soberania tecnológica.
Nesse contexto, destaca a diretriz de “política com ciência”, que orienta o uso do conhecimento científico como base para a formulação de políticas públicas, reforçando a capacidade do Estado de planejar e decidir com autonomia.
Repatriação e retenção de cérebros
Um dos pontos centrais da edição é o debate sobre a fuga de cérebros e as políticas de reversão desse processo. O presidente do CNPq apresenta os resultados do programa Conhecimento Brasil, que combina redes internacionais de pesquisa com um robusto programa de repatriação de cientistas.
Olival Freire destacou o sucesso do programa Conhecimento Brasil, que trouxe quase 600 pesquisadores de volta ao país. “Você só traz de volta alguém que está instalado no exterior se tiver uma proposta realmente atrativa”, afirmou.
Com bolsas atrativas, recursos para montagem de laboratórios e contratos de longa duração, o programa já viabilizou o retorno de quase 600 pesquisadores altamente qualificados, além de criar mecanismos para reter jovens doutores no país.
Reencantar a juventude com a ciência
Ao final da conversa, Olival Freire compartilha o que define como sua principal meta à frente do CNPq: reencantar a juventude brasileira com a ciência. Mais do que números, ele aposta na construção de um ambiente em que fazer ciência volte a ser visto como projeto de vida e instrumento de transformação nacional.
Para o presidente do CNPq, o maior legado esperado vai além de dados e estatísticas. “A minha grande expectativa é reencantar a juventude brasileira com a ciência”, disse. Segundo ele, é fundamental recuperar a ideia de que “vale a pena fazer ciência” e que a carreira científica é estratégica para o desenvolvimento soberano do Brasil.
Ao final, Freire reconheceu que ainda há desafios relevantes, como a ampliação do orçamento para fomento à pesquisa e a luta por novos reajustes nas bolsas. “É uma questão de honra não atrasar bolsa”, afirmou, ao relatar os esforços da gestão para garantir regularidade nos pagamentos a quase 100 mil bolsistas em todo o país.
Para Olival Freire, fortalecer a ciência é condição indispensável para o futuro do Brasil. “Ciência e tecnologia não são bens que se compram no mercado. São caminhos que o país precisa aprender a trilhar”, concluiu.
A edição especial do Entrelinhas Vermelhas reforça, assim, a centralidade da ciência para um projeto de país soberano, inclusivo e comprometido com o futuro.
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