20 janeiro 2019

Prática consciente


O hábito saudável de manter um diário pessoal
Marta Rebón, El País
Escrever os acontecimentos cotidianos ajuda a liberar o estresse, administrar emoções e esvaziar a mente de pensamentos intrusivos

Cervantes dizia que a pena é a língua da mente. Por isso, muitos que aspiram a enriquecer seu intelecto e a encontrar sentido entre a enxurrada de imagens ou ideias que passa de forma desordenada por nossa cabeça adotaram a rotina de escrever um diário íntimo. Em etapas cruciais da vida, quando estamos de luto, enfrentamos uma doença ou encaramos uma crise, o diário é uma casa à qual recorrer em busca de luz, consolo e calor. Sobre o valor de confiar em um diário pessoal como o melhor dos amigos ninguém falou melhor do que Henri-Frédéric Amiel, filósofo suíço do século XIX, com uma obra diarística de 17.000 páginas manuscritas: “O diário íntimo é o museu das curas sucessivas da alma, onde se faz a mudança cotidiana, uma condição da saúde”. De certo modo, Amiel, cujo livro de notas inspirou os diários de autores como Tolstói, antecipou-se às pesquisas que, a partir da disciplina da psiconeuroimunologia, concentraram-se na relação que há entre a escritura expressiva e o funcionamento do sistema imunológico. Escrever os acontecimentos e dados relevantes do dia a dia é uma prática que ajuda a liberar o estresse, a administrar emoções e a esvaziar a mente de pensamentos intrusivos.

A chave é abrir a janela para o que ocorre em nosso interior e anotar isso com honestidade, o que não é uma tarefa fácil, pois tendemos a mentir mais para nós mesmos do que para os outros. O diálogo que se estabelece com o próprio eu dá frutos quando não é uma atividade complacente, ou seja, quando sua finalidade não é justificar nossos atos ou registrar nossos triunfos, e sim examinar nossas experiências únicas, sem deixar de lado as dúvidas e os erros que acompanham as decisões que tomamos ao longo do caminho. De qualquer forma, se você não tem dotes de escritor, não precisa se preocupar: fazer listas, escrever frases sem se ater ao rigor gramatical ou rabiscar esquemas é igualmente benéfico. Há tantas versões de diários quanto diaristas, pois o diário é um espaço onde vale tudo. O essencial, afinal, é o que afirmava Sócrates: uma vida que não é examinada não vale a pena ser vivida.
Faça o teste: pegue caneta e papel e tente se definir em algumas frases. Com este simples exercício, muitas pessoas descobrirão até que ponto são desconhecidas para si mesmas. Um diário é um instrumento útil para não acabar dividindo espaço com esse outro eu do qual não você não tem notícias há muito tempo, embora um e outro sejam portadores do mesmo documento de identidade.
Para desembaraçar a teia de pensamentos que nos inquietam − o cérebro tende a se atormentar com temas não resolvidos ou cujo significado lhe escapa −, precisamos apenas de caneta e papel. São armas eficazes para capturar as ideias fugidias que temos e acabam desaparecendo se não as expressamos imediatamente. “Nós nos esquecemos muito rápido de coisas que achávamos que era impossível esquecer, dos amores e das traições”, escreve Joan Didion, que considera que manter um registro de impressões e vivências nos ajuda a ter uma relação cordial com quem éramos no passado, independentemente de ser ou não uma companhia atraente. Os diários revelam a natureza de nossa mente, assim como sua vida secreta, fragmentária, flutuante, esquiva.
A arte solitária da escuta interior diante da página em branco nos obriga a nos adequar ao ritmo lento das palavras que brotam no processo de escrita, a nos submeter à sua ordem linear no espaço e a discernir o importante do acessório, o recorrente do efêmero, o doloroso do gozoso. Damos estrutura ao que antes era apenas uma mistura desordenada de coisas sem relação aparente entre si.
Escrever um diário nos faz ter consciência de que somos mutáveis, múltiplos, contraditórios e de que, para viver plenamente, precisamos cuidar de nós mesmos, amar-nos e perdoar-nos.
Faça um favor a si mesmo e reserve 10 minutos por dia para se redescobrir.
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