Um Museu de Grandes Novidades –
onda da extrema-direita continua
Cláudio Carraly*
A
ascensão da extrema-direita no Brasil é um fenômeno que se insere em um
contexto global de polarização política, evocando paralelos históricos e
preocupações quanto à estabilidade democrática. A extrema-direita no Brasil
supera o carisma individual de sua maior liderança, Jair Bolsonaro, mesmo com
sua inelegibilidade e várias investigações criminais, as ideias e valores que
mobilizou permanecem vivos. A atual transição do campo conservador está esmagando
o que havia da direita centrista, radicalizando esses grupos e jogando-os para
o espectro mais agudo do reacionarismo. Essa onda do chamado neofascismo fez
emergir novas lideranças e novas formas de abordagem política, ampliando sua
base de apoio e garantindo sua continuidade por ainda bastante tempo.
O
enfraquecimento de Bolsonaro não implica o fim desse novo ciclo da
extrema-direita. A figura do ex-presidente, antes central, hoje convive com um
movimento fragmentado que se reorganiza em torno de agendas comuns, surfando
sempre na insatisfação popular difusa, que antes era canalizada pela figura do
ex-presidente, agora se pulveriza, permitindo a emergência de líderes regionais
e setoriais. Nomes como Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Nikolas Ferreira
ilustram a diversidade dentro da direita.
Tarcísio,
com um discurso mais tecnocrático, tenta angariar credibilidade institucional e
midiática; Caiado investe em pautas conservadoras ligadas principalmente ao
agronegócio; e Nikolas, que tenta encarnar um moralismo radical, difundido em
redes sociais, tornando-se popular em parcela importante da juventude. Essas e
outras lideranças ampliam a gama de apelos ideológicos, mantendo coeso o núcleo
conservador.
As redes
sociais continuam sendo o principal veículo de mobilização da extrema-direita
no país. Narrativas simplistas e emocionais, reforçadas por algoritmos e
notícias sabidamente falsas, criam bolhas ideológicas antagônicas ao debate
racional e avessas aos fatos reais. Segundo dados do Relatório de Digital
News Report (2023), 62% dos brasileiros acessam notícias
principalmente por redes sociais, o que facilita a disseminação de
desinformação, essa dinâmica amplia a polarização e dificulta o diálogo,
permitindo que a extrema-direita se fortaleça mesmo sem um líder centralizado.
Os traços
culturais dos brasileiros, como autoritarismo, nacionalismo e conservadorismo,
são alicerces históricos sobre os quais a extrema-direita constrói seu discurso
e unifica sua base. Esses valores, consolidados ao longo de séculos, preparam o
terreno para a aceitação de soluções políticas simplistas e autoritárias,
presente desde a colonização e reforçado pela ditadura militar, o autoritarismo
alimenta a crença de que lideranças fortes e centralizadoras enfrentam melhor
as crises. O nacionalismo, por sua vez, cria um senso de pertencimento e um
furor ufanista exacerbado, contrapondo os destinos da nação aos supostos
inimigos da pátria, sejam esses internos ou externos.
O
discurso autoritário encontra legitimação em uma memória coletiva falsa que
aponta para governos antidemocráticos como solução de todos os problemas. A
busca por respostas imediatas a problemas complexos, somada a um crescente
moralismo conservador, revitalizado e turbinado principalmente no centro das
igrejas evangélicas brasileiras, que valorizam um suposto modelo de família
tradicional e combatem pautas progressistas, reforça a ideia de uma ordem
social natural, respaldando a manutenção do abismo social. Outro aspecto
importante é o discurso que justifica ações anti-institucionais em nome de um
pragmatismo supostamente necessário, essa lógica corrói o respeito às
instituições e legitima comportamentos contrários ao Estado Democrático de
Direito. Esse simplismo político faz ressoar soluções autoritárias na sociedade
brasileira, predisposta historicamente a aceitar retóricas salvacionistas.
A força
da extrema-direita brasileira não está isolada, integra um cenário mundial de
fragmentação política, instabilidade econômica e desconfiança nas elites
tradicionais, nesse sentido, o passado oferece ensinamentos valiosos. A
ascensão do fascismo na Europa dos anos 1930 ocorreu em meio a crises
econômicas, descontentamento popular, uso intenso de propaganda política,
supressão de liberdades civis e perseguição a minorias. Tais condições,
resultantes em parte do colapso econômico pós-1929, ecoam na atual conjuntura
mundial. A retórica do inimigo interno, o apelo à segurança e a hostilidade às
diferenças encontram ecos no presente. O alerta histórico torna-se, assim,
ainda mais urgente.
O
encorajamento à violência, o desrespeito às decisões judiciais e o estímulo à
polarização extrema tencionam a democracia brasileira e mundial. Assim como no
passado, discursos autoritários podem resultar na erosão de liberdades civis e
na fragilização das instituições, criando um ambiente propício ao surgimento de
regimes autoritários. Como uma das maiores democracias do mundo, o Brasil
exerce influência além de suas fronteiras, a forma como o país lida com o
avanço da extrema-direita interessa à comunidade internacional, seja para
reforçar valores democráticos, seja para evitar o contágio autoritário.
Enquanto
a extrema-direita se consolida, a esquerda enfrenta dificuldades. A falta de
renovação de lideranças, a incapacidade de dialogar com demandas concretas como
segurança e emprego, e a ausência de inclusão mais ampla de temas emergentes
enfraquecem sua capacidade de conter a maré ultraconservadora. Mesmo com a
relevância da figura política do presidente Lula, a esquerda carece de novas
lideranças capazes de dialogar com as periferias, interior do país, além dos
jovens e os trabalhadores precarizados. A sucessão não pode depender de uma
única figura carismática. Para se contrapor à extrema-direita, a esquerda
precisa articular suas pautas e sua comunicação com soluções para a vida
cotidiana. Um projeto que una igualdade, segurança, oportunidades e respeito à
diversidade pode recuperar apoio popular, tornando-se um antídoto contra o
autoritarismo.
Além dos
partidos, outras esferas da sociedade precisam se mobilizar. Mídias
independentes, ONGs, movimentos sociais, universidades, igrejas progressistas,
sindicatos e instituições como o Judiciário e o Ministério Público, além dos
democratas em geral, sejam esses centristas ou os que ainda restam na direita,
todos desempenham um papel-chave no fortalecimento da democracia. A tarefa
fundamental será fiscalizar o poder, promover debates qualificados, garantir
direitos fundamentais e construir pontes entre atores diversos, esses setores
formam uma barreira contra o avanço do autoritarismo.
O Brasil
encontra-se em um momento decisivo, a ascensão da extrema-direita, alimentada
por valores culturais enraizados e pela tensão global, ameaça a democracia. O
paralelo com os anos 30 do século passado destaca o perigo real de retrocessos institucionais
e a necessidade de uma mobilização ampla e contínua para além da esquerda.
Aprendendo bastante com os erros dos estadunidenses, que trouxeram de volta ao
comando do seu país, um autocrata com viés fascista, que ao retornar ao poder
veio ainda mais truculento e avalizado abertamente pela plutocracia local,
esperemos que o Brasil fique distante desse exemplo.
O
fortalecimento das instituições, o engajamento da sociedade civil, a ação de
lideranças comprometidas com o diálogo e a manutenção de uma frente ampla nos
diversos setores da sociedade são fundamentais para evitar a deterioração
democrática. Cabe ao país decidir se abraçará soluções autoritárias e
simplistas ou se, ao contrário, reforçará os alicerces de uma democracia
inclusiva, plural e resiliente. Essa questão começará a ser respondida no
próximo pleito eleitoral nacional.
* advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Leia: A República no campo de batalhahttps://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_72.html?m=1
Nenhum comentário:
Postar um comentário