Denúncia contra Bolsonaro e demais golpistas tende a marcar luta política e unir o campo democrático e popular
O bolsonarismo vai recrudescer os ataques às instituições, como já se vê em pronunciamento de líderes da extrema-direita no Congresso Nacional.
Editorial do 'Vermelho'
A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a trama golpista bolsonarista é mais um importante passo na defesa da democracia, ameaçada cotidianamente pela extrema-direita. Foram denunciados o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro e general Walter de Souza Braga Netto e mais 32 pessoas. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, apresentou uma peça densa, com provas consistentes e detalhadas, que será apreciada pela Primeira Turma do STF após liberação do relator, ministro Alexandre de Moraes.
De acordo com Gonet, Bolsonaro liderava uma organização criminosa que praticou atos lesivos à ordem democrática, baseada em projeto autoritário de poder, enraizada na estrutura do Estado, com forte influência de setores militares. Bolsonaro é acusado de cometer crimes de organização criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Pela denúncia, a organização criminosa tinha um “núcleo crucial” com divisão de tarefas e papéis: Bolsonaro, chefe supremo, à frente de militares de alta patente, general Braga Netto, general Paulo Sérgio Nogueira, general Augusto Heleno, almirante Almir Garnier, tenente-coronel Mauro Cid, além de Anderson Torres e Alexandre Ramagem.
A acusação formal da PGR documenta o percurso da escalada golpista e diz que Bolsonaro adotou um tom de ruptura com a democracia desde 2021, ao atacar instituições e questionar o sistema eleitoral, uma escalada autoritária que ganhou força após a anulação das condenações do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva pelas ações arbitrárias e ilegais da Operação Lava Jato, com sua habilitação para se candidatar a presidente da República nas eleições de 2022.
Entre os capítulos desta escalada, a denúncia destaca que Bolsonaro se encontrou com os então comandantes das Forças Armadas em dezembro de 2022 para apresentar ações golpistas. O general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, disse à Polícia Federal (PF) que Bolsonaro detalhou a possibilidade de “utilização de institutos jurídicos” como Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Estado de Defesa ou Estado de Sítio para impedir a posse de Lula. Ele e o ex-comandante da Aeronáutica, Baptista Junior, rejeitaram a proposta, mas o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, “teria se colocado à disposição do presidente da República”.
Bolsonaro tinha conhecimento do planejamento para assassinar Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, o plano Punhal verde e amarelo. Segundo a PF, Bolsonaro recebeu do advogado Amauri Feres Saad e de seu ex-assessor Filipe Martins a minuta de um decreto com ações que seriam adotadas para neutralizar interferência do Judiciário no Executivo, que incluíam as prisões dos ministros do STF Alexandre Moraes e Gilmar Mendes, além de convocar novas eleições por supostas fraudes.
A trama golpista chegou aos acampamentos em frente aos quartéis militares, com Bolsonaro alimentando esperanças de que convenceria as Forças Armadas a concretizarem o golpe, conforme a delação de Mauro Cid, tenente-coronel e ex-ajudante de Bolsonaro. Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, mantinha contato com os manifestantes para reforçar as esperanças golpistas. O general Mário Fernandes, integrante da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro, visitou pessoalmente os acampamentos em novembro de 2022. Segundo Gonet, os ataques de 8 de janeiro de 2023, com a invasão das sedes dos Três Poderes, foram resultado direto dessa articulação.
São fatos que caracterizam a produção de provas consistentes pelos próprios denunciados e impactam a vida política do país. Enquanto a oposição festejava a queda da aprovação do governo, veio esse fato jurídico de grande relevância, que tende a agravar a divisão e as tensões políticas entre a direita e a extrema-direita, que vêm das eleições municipais de 2024. Bolsonaro, com a corda no pescoço, deve se apegar à tática, já em andamento, de que ele será o candidato da extrema-direita e da direita em 2026, meio para tentar escapar da condenação e prisão, que vão se apresentando com grande probabilidade de acontecer. Setores da direita, e mesmo do chamado Centrão, manifestam oposição a essa tática.
O bolsonarismo também vai recrudescer os ataques às instituições, como já se vê em pronunciamento de líderes da extrema-direita no Congresso Nacional para defender os acusados, com a fantasiosa alegação de que a denúncia não corresponde aos fatos, numa ação que busca desqualificar a autoridade do STF. Tentarão também mobilizar as ruas, conforme agenda por eles já elaborada, escalar o uso das plataformas digitais, calculando que terão apoio das big techs a partir do alinhamento dessas empresas com o governo estadunidense de Donald Trump, com Elon Musk como ponta-de-lança.
Fato grave e concreto de investida estrangeira contra o STF está patenteado em processo aberto pela Rumble, empresa de compartilhamento de vídeos dos Estados Unidos, que, em conluio com uma empresa de Trump abriram um processo no judiciário estadunidense contra o ministro Alexandre de Moraes.
A extrema-direita buscará, inclusive, com mobilização de rua, aumentar a pressão no Congresso Nacional para pautar e acelerar o projeto de anistia aos golpistas, uma cortina de fumaça para abrir campo na busca da reabilitação eleitoral de Bolsonaro. Ou seja: a tramitação da matéria no STF vai marcar a dinâmica da luta política no país até o seu julgamento, que deve ocorrer ainda este ano.
Mas o campo da extrema-direita e da direita não joga sozinho. Tem contra si um adversário forte, que o derrotou nas urnas em 2022: o grande apelo e apreço da maioria do Brasil pela democracia. Há potencial para uma ampla aliança e crescente mobilização cívica e social tendo como ponto de confluência a defesa da democracia, bandeira que, hoje, ganha concretude em ações para assegurar ao STF condições para repelir pressões e chantagens, venham de onde vierem, e julgar, conforme os preceitos constitucionais, Bolsonaro e o conjunto dos que fizeram parte do “núcleo crucial” da organização criminosa que tentou soterrar o regime democrático.
Todavia, é preciso romper certa inércia, superar a dispersão do campo progressista para que se ponha em movimento instituições e personalidades do universo democrático e cultural, centrais sindicais e o movimento social como um todo, as bancadas e o conjunto de parlamentares comprometidos com a democracia, partidos vinculados ao povo, embandeirados com as palavras de ordem de defesa da democracia, sem anistia e punição rigorosa aos chefões golpistas.
Leia: Uma denúncia histórica https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/enio-lins-opina_21.html
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