21 fevereiro 2025

Abraham Sicsú opina

Política com dignidade: três valores orientadores
Abraham B Sicsú*  

Faz anos que estudo Vedanta. Pouco entendo, é verdade, mesmo assim, é um guia para avançar, para uma vida mais tranqüila e prazerosa. Nestes estudos, sempre orientado por uma Mestra, procuro balizar minhas buscas, minhas orientações espirituais e práticas de ações.

Pode-se entender Vedanta como uma tradição da cultura indiana, uma filosofia de vida que tem nos Vedas e nas Upanishads a base dos ensinamentos para se chegar a uma vida mais plena, em que a busca do autoconhecimento permite uma reflexão profunda de quem somos e para onde queremos ir.

A base da procura que tem como norte a busca de saber realmente o que somos e como somos, é o estudo e o aprofundamento nos valores essenciais para o ser humano. Não é uma religião, não é dogmática, são lições que podem ser absorvidas em qualquer crença, em qualquer cultura.

Em tempos turbulentos, sociais ou pessoais, pode trazer caminhos que nos apazigúem, que nos dêem um conforto e esperanças na busca de novas perspectivas.

Hoje, vivemos uma situação muito atípica, tempos bastante incertos para onde quer que se veja. O inesperado se concretiza, as reações se tornam estapafúrdias.

No mundo, alguém se considera “Imperador da Humanidade”. Diz que vai incorporar territórios, que vai segregar populações sofridas, que vai punir os que não se submetam a seus desejos. Até um lema inventou, “Fazer a América Grande Novamente”, a qualquer custo, não interessa o sacrifício e sofrimento que gere. Mesmo que não perceba, também para seu povo.

As Guerras, aquelas que pouco lhe interessam neste momento, resolve acabar sem consultar ao menos os envolvidos. Fala só com aliados e negocia inclusive territórios que não lhe pertencem. Os povos dos locais pouco importam, eles que se desloquem, que percam suas identidades,  como em Gaza, ou se submetam a outros donos, como na Ucrânia. Tudo para permitir a exploração capitalista e trazer lucros para si e apaniguados.

No País, as coisas degringolam. Conseguiram-se indicadores de melhoria espetaculares na economia. Não vou repetir o que já ressaltei em inúmeras ocasiões, mas o emprego se recuperou, os preços relativamente estáveis, os programas sociais avançaram, o crescimento surpreendeu a todos.

Um breve desequilíbrio, nada preocupante, nos preços dos alimentos é tomado como mote. Tudo vai desmoronar, dizem. A crise fiscal é inventada. O déficit público foi mínimo, ridículo apontá-lo como um vilão do Estado. As empresas públicas têm um déficit justificável tendo em vista a necessidade de sua recuperação operacional. Se incluirmos a Petrobrás como empresa pública o superávit é extraordinário.  Enfim, nada que justifique o temor apresentado.

Infelizmente, criou-se o mote. A popularidade do Governo despenca. A campanha contra seu caráter transformador aumenta. Tudo no sentido de desestabilizar os rumos tomados e as perspectivas de uma sociedade mais igualitária, proposta política que ganhou as eleições.

Um Governo que tenta agradar a todos. Submete-se a críticas infundadas. Entra no debate fiscal como se fosse um perdedor. Promete ajustes que podem paralisar a recuperação. Aceita que se mantenham as taxas escorchantes de juros. Não dá movimentos para diminuir o peso da dívida pública interna em prol de financiamentos internacionais muito mais baratos. Insisto, os chineses na Nova Rota da Seda se dispõe a financiar infraestrutura que pode viabilizar o novo PAC sem a pressão do mercado financeiro e lançamento de novos títulos da dívida pública.

Enfim, necessário retornar com dignidade à proposta que construímos na transição de governo com muita firmeza na busca de um Brasil que se respeita.

Voltando à filosofia hindu. Estou relendo, com um grupo, o maravilhoso livro do Swami Dayananda Sarawasti, “O Valor dos Valores”. 20 lições de vida que nos orientam para o conviver com respeito ao Ser que sou. Esta semana, leio três valores que me levam a discutir a situação que estamos confrontando.

O primeiro é a “firmeza na ação, firmeza no seu próprio dever”.  A certa altura chama a atenção de que “começamos qualquer empreendimento com muita bravura. Somos leões de decisão a princípio. Mas, depois a entusiasmo declina.” E, mais adiante conclui: “Falta de firmeza em relação a um compromisso resulta em objetivos não-alcançados, produzindo um acúmulo de culpa pelo fracasso em completar o que havia sido começado”.

Este pode ser um problema sério. Não é só o fracasso na comunicação do que se faz. Importante é ter firmeza no que se acredita. Flexibilizar em demasia leva a contradições, ao abandono de projetos que podem ser fundamentais para o pensar político. Incompreensível manter essa taxa de juros, manter limites draconianos para a inflação e para a dívida pública. Ser bem comportado para o mercado e para os rentistas não resolve nossos problemas. Emprego, economia crescendo, saúde, educação e comida na mesa são as metas. E têm que ser mantidas. Não desvirtuadas ou amenizadas.

Nessa direção um segundo valor chama a atenção O “domínio sobre a mente”. Como se deve reagir. Diz o autor que há três tipos de mente aos seres comuns.

A impulsiva que se manifesta pelos instintos; a mecânica na qual o já vivido direciona a tomada de posições, em que o passado faz com que se decida, sempre amedrontado pelas possíveis conseqüências negativas do ousar; e a deliberada em que há consciência na avaliação das idéias, “aceitando-as ou descartando-as de acordo com minha estrutura de valores”.

Ser mecânico, por opção leva à concessões a todo tipo de pressões. A um Trump ou a um Mercado Financeiro, por exemplo. Chegou a hora de se ter uma mente mais deliberada para não cair em reações instintivas ou em análises de ditos especialistas que se atém a visões mecânicas e sempre medrosas.

Por fim, um terceiro valor que estamos estudando, o “desapego em relação aos objetos dos órgãos dos sentidos”.

Desapego entendido não como renúncia, não como repressão aos desejos. É a análise sem paixão, sem nada que requeira repressão. Liberar-se do desejo compulsivo, tendo a clareza de ver os fatos como eles realmente são. Somente assim se pode corrigir rumos, ter o sentido correto dentro de nossas convicções e consciência.

Acredito que esses três valores, firmeza na ação, domínio sobre a mente e desapego, podem ser a chave para manter cada vez mais firme um projeto de país coerente. Não interessam as forças internacionais que procuram desconstruí-lo, nem tampouco os interesses oligárquicos que procurem desvirtuá-lo, importante é se manter coerente com o que se acredita e fazer valer princípios alicerçados por estes valores.

É o momento de reforçar essa base de pensamento, aprender com o que  nos ensinam os sábios das velhas tradições.

*Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco

Leia: Comunicação digital entre a virtude e a culpa e a luta política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_13.html

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