Política com dignidade: três valores orientadores
Abraham
B Sicsú*
Faz anos que estudo Vedanta. Pouco entendo, é verdade, mesmo assim, é um guia para avançar, para uma vida mais tranqüila e prazerosa. Nestes estudos, sempre orientado por uma Mestra, procuro balizar minhas buscas, minhas orientações espirituais e práticas de ações.
Pode-se
entender Vedanta como uma tradição da cultura indiana, uma filosofia de
vida que tem nos Vedas e nas Upanishads a base dos ensinamentos para se chegar
a uma vida mais plena, em que a busca do autoconhecimento permite uma reflexão
profunda de quem somos e para onde queremos ir.
A base
da procura que tem como norte a busca de saber realmente o que somos e como
somos, é o estudo e o aprofundamento nos valores essenciais para o ser humano.
Não é uma religião, não é dogmática, são lições que podem ser absorvidas em
qualquer crença, em qualquer cultura.
Em
tempos turbulentos, sociais ou pessoais, pode trazer caminhos que nos
apazigúem, que nos dêem um conforto e esperanças na busca de novas
perspectivas.
Hoje,
vivemos uma situação muito atípica, tempos bastante incertos para onde quer que
se veja. O inesperado se concretiza, as reações se tornam estapafúrdias.
No
mundo, alguém se considera “Imperador da Humanidade”. Diz que vai incorporar
territórios, que vai segregar populações sofridas, que vai punir os que não se
submetam a seus desejos. Até um lema inventou, “Fazer a América Grande
Novamente”, a qualquer custo, não interessa o sacrifício e sofrimento que gere.
Mesmo que não perceba, também para seu povo.
As
Guerras, aquelas que pouco lhe interessam neste momento, resolve acabar sem
consultar ao menos os envolvidos. Fala só com aliados e negocia inclusive
territórios que não lhe pertencem. Os povos dos locais pouco importam, eles que
se desloquem, que percam suas identidades,
como em Gaza, ou se submetam a outros donos, como na Ucrânia. Tudo para
permitir a exploração capitalista e trazer lucros para si e apaniguados.
No País,
as coisas degringolam. Conseguiram-se indicadores de melhoria espetaculares na
economia. Não vou repetir o que já ressaltei em inúmeras ocasiões, mas o
emprego se recuperou, os preços relativamente estáveis, os programas sociais
avançaram, o crescimento surpreendeu a todos.
Um breve
desequilíbrio, nada preocupante, nos preços dos alimentos é tomado como mote.
Tudo vai desmoronar, dizem. A crise fiscal é inventada. O déficit público foi
mínimo, ridículo apontá-lo como um vilão do Estado. As empresas públicas têm um
déficit justificável tendo em vista a necessidade de sua recuperação
operacional. Se incluirmos a Petrobrás como empresa pública o superávit é
extraordinário. Enfim, nada que
justifique o temor apresentado.
Infelizmente,
criou-se o mote. A popularidade do Governo despenca. A campanha contra seu
caráter transformador aumenta. Tudo no sentido de desestabilizar os rumos
tomados e as perspectivas de uma sociedade mais igualitária, proposta política
que ganhou as eleições.
Um
Governo que tenta agradar a todos. Submete-se a críticas infundadas. Entra no
debate fiscal como se fosse um perdedor. Promete ajustes que podem paralisar a
recuperação. Aceita que se mantenham as taxas escorchantes de juros. Não dá
movimentos para diminuir o peso da dívida pública interna em prol de
financiamentos internacionais muito mais baratos. Insisto, os chineses na Nova
Rota da Seda se dispõe a financiar infraestrutura que pode viabilizar o novo
PAC sem a pressão do mercado financeiro e lançamento de novos títulos da dívida
pública.
Enfim,
necessário retornar com dignidade à proposta que construímos na transição de
governo com muita firmeza na busca de um Brasil que se respeita.
Voltando
à filosofia hindu. Estou relendo, com um grupo, o maravilhoso livro do Swami
Dayananda Sarawasti, “O Valor dos Valores”. 20 lições de vida que nos orientam
para o conviver com respeito ao Ser que sou. Esta semana, leio três valores que
me levam a discutir a situação que estamos confrontando.
O
primeiro é a “firmeza na ação, firmeza no seu próprio dever”. A certa altura chama a atenção de que
“começamos qualquer empreendimento com muita bravura. Somos leões de decisão a
princípio. Mas, depois a entusiasmo declina.” E, mais adiante conclui: “Falta
de firmeza em relação a um compromisso resulta em objetivos não-alcançados,
produzindo um acúmulo de culpa pelo fracasso em completar o que havia sido
começado”.
Este pode
ser um problema sério. Não é só o fracasso na comunicação do que se faz.
Importante é ter firmeza no que se acredita. Flexibilizar em demasia leva a
contradições, ao abandono de projetos que podem ser fundamentais para o pensar
político. Incompreensível manter essa taxa de juros, manter limites draconianos
para a inflação e para a dívida pública. Ser bem comportado para o mercado e
para os rentistas não resolve nossos problemas. Emprego, economia crescendo,
saúde, educação e comida na mesa são as metas. E têm que ser mantidas. Não
desvirtuadas ou amenizadas.
Nessa
direção um segundo valor chama a atenção O “domínio sobre a mente”. Como se
deve reagir. Diz o autor que há três tipos de mente aos seres comuns.
A
impulsiva que se manifesta pelos instintos; a mecânica na qual o já vivido
direciona a tomada de posições, em que o passado faz com que se decida, sempre
amedrontado pelas possíveis conseqüências negativas do ousar; e a deliberada em
que há consciência na avaliação das idéias, “aceitando-as ou descartando-as de
acordo com minha estrutura de valores”.
Ser
mecânico, por opção leva à concessões a todo tipo de pressões. A um Trump ou a
um Mercado Financeiro, por exemplo. Chegou a hora de se ter uma mente mais
deliberada para não cair em reações instintivas ou em análises de ditos
especialistas que se atém a visões mecânicas e sempre medrosas.
Por fim,
um terceiro valor que estamos estudando, o “desapego em relação aos objetos dos
órgãos dos sentidos”.
Desapego
entendido não como renúncia, não como repressão aos desejos. É a análise sem
paixão, sem nada que requeira repressão. Liberar-se do desejo compulsivo, tendo
a clareza de ver os fatos como eles realmente são. Somente assim se pode
corrigir rumos, ter o sentido correto dentro de nossas convicções e consciência.
Acredito
que esses três valores, firmeza na ação, domínio sobre a mente e desapego,
podem ser a chave para manter cada vez mais firme um projeto de país coerente.
Não interessam as forças internacionais que procuram desconstruí-lo, nem
tampouco os interesses oligárquicos que procurem desvirtuá-lo, importante é se
manter coerente com o que se acredita e fazer valer princípios alicerçados por
estes valores.
É o momento de reforçar essa base de pensamento, aprender com o que nos ensinam os sábios das velhas tradições.
*Professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
Leia: Comunicação digital entre a virtude e a culpa e a luta política https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/minha-opiniao_13.html
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