A batalha entre Trump e a presidente mexicana por
nome do Golfo do México no Google Maps
A presidente mexicana Claudia
Sheinbaum escreveu uma carta ao Google pedindo que a empresa reconsidere
sua decisão de renomear o Golfo do México.
BBC
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou uma ordem executiva exigindo que o corpo de água — que faz fronteira com os EUA, Cuba e México — seja renomeado para Golfo da América em sua primeira semana no cargo.
Mas a mudança só aparecerá no Google Maps com o novo nome para pessoas
que moram nos EUA — em outras partes do mundo, ele manterá seu nome atual, que
tem sido usado por centenas de anos.
Não há nenhuma organização internacional responsável pela nomeação de
corpos d'água.
Mas o México argumenta que os EUA não podem legalmente mudar o nome
do Golfo porque a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar determina
que o território soberano de um país individual se estende apenas até 12 milhas
náuticas (cerca de 22 quilômetros) da costa.
"[A mudança de nome] só poderia corresponder às 12 milhas náuticas
de distância da costa dos Estados Unidos da América", disse Sheinbaum.
O Google ainda não respondeu ao pedido de comentário da BBC.
Em uma declaração nas redes sociais na segunda-feira (27/1), a empresa
afirmou: "Temos uma prática de longa data de aplicar mudanças de nome
quando elas são atualizadas em fontes oficiais do governo."
O Google também renomeará o Monte Denali como Monte McKinley nos EUA,
seguindo outra ordem de Trump.
"Quando os nomes oficiais variam entre os países, os usuários do
Maps veem seu nome local oficial", disse a companhia.
Mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América foi um dos
anúncios feitos por Trump ao tomar posse como presidente dos EUA no dia 20 de
janeiro.
Ele já havia anunciado a intenção de mudar o nome do golfo após ser
eleito.
"Vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América",
declarou durante uma entrevista coletiva em sua residência em Mar-a-Lago, na
Flórida, no início de janeiro.
"Golfo da América, que nome bonito. E é apropriado...",
acrescentou na ocasião, sem fornecer mais detalhes sobre sua proposta.
Na sequência, Trump afirmou que o México "deve parar de
permitir que milhões de pessoas entrem em nosso país" — e posteriormente
reiterou sua ameaça de impor "tarifas muito sérias" ao México e ao
Canadá.
A quem pertence o Golfo do México?
O Golfo do México, que abrange uma área de mais de 1,6 milhão de km², é
uma bacia oceânica contida entre o Oceano Atlântico e o Mar do Caribe, entre os
litorais do leste do México, do sudeste dos Estados Unidos e do oeste
de Cuba.
Cinco Estados mexicanos possuem costa no golfo: Tamaulipas, Veracruz,
Tabasco, Campeche e Yucatán. Assim como os Estados americanos da Flórida,
Alabama, Mississippi, Louisiana e Texas, e as províncias cubanas de Pinar del
Río e Artemisa.
O golfo é uma das regiões produtoras de petróleo offshore mais
importantes do mundo, sendo responsável por 14% da produção total de petróleo
bruto e 5% da produção de gás natural seco dos Estados Unidos.
Para o México, o golfo também é fundamental, pois é de lá que é extraída
a maior parte do petróleo do país, um dos principais motores de
sua economia.
Há acordos internacionais de delimitação de fronteiras marítimas
estabelecidos por organizações como a Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar entre os Estados Unidos e o México, os Estados Unidos e Cuba, e
o México e Cuba.
A delimitação da fronteira do Golfo do México entre os Estados Unidos,
México e Cuba também foi definida pela mais alta autoridade internacional em
delimitação de mares, a Organização Hidrográfica Internacional (IHO, na sigla
em inglês).
Por que se chama Golfo do México
O corpo d'água foi chamado pela primeira vez de Golfo do México nos
mapas europeus do século 16.
Como escreveu Susan Parker no St. Augustine Record, um jornal local da
Flórida, "Baptiste Boazio, o ilustrador e cartógrafo das expedições
caribenhas do (explorador inglês) Francis Drake na década de 1580, usou o
'Golfo do México' em seu mapa chamado 'Vista de toda a rota da viagem de Sir
Francis Drake às Índias Ocidentais'".
"O mapa de De Bry de 1591 também usa o nome Golfo do México",
ela acrescenta.
Já um mapa de 1630 chamou o corpo d'água de "Golfo da Nova
Espanha", nome que, sob o Vice-Reino da Nova Espanha, incluía o que hoje é
a Flórida, parte do sudeste dos Estados Unidos, México e grande parte da
América Central.
Mas Golfo do México é o nome que continuou a ser usado com mais
frequência por mais de 400 anos.
É possível mudar o nome?
Para começar, Trump precisaria da aprovação do México e de Cuba para
mudar o nome do Golfo do México.
Mas a presidente do México, Claudia Sheinbaum, já rebateu a proposta
de Trump.
Com um sorriso no rosto e mostrando um mapa-múndi de 1607, no qual parte
do território mexicano e parte do território dos Estados Unidos aparecem como
uma única unidade — sem a separação de fronteiras que existe hoje —, ela
sugeriu em 8 de janeiro mudar nome dos EUA para "América Mexicana".
"Por
que não os chamamos (os Estados Unidos) de América Mexicana? Soa bem, não é
verdade?".
"Desde
1607, a Constituição de Apatzingán era da América Mexicana. Portanto, vamos
chamar de América Mexicana", acrescentou.
Sheinbaum
enfatizou que o nome Golfo do México é reconhecido internacionalmente.
"Acredito
que, com todo o respeito, o presidente Trump estava mal informado, achando que
Felipe Calderón e García Luna ainda governavam o México, mas não. No México, o
povo governa", concluiu a presidente.
Em
paralelo, o secretário de Economia do país, Marcelo Ebrard, reiterou que o
corpo d'água "vai continuar a ser chamado de Golfo do México".
"Não
podemos responder a todas as declarações todos os dias", declarou Ebrard.
"Se
nos encontrarmos daqui a 30 anos, o Golfo do México ainda vai se chamar Golfo
do México. Mas não vamos nos envolver nesse debate. O que vamos fazer é
proteger o relacionamento que nossos dois países têm."
Trump
também precisaria da avaliação e aprovação de vários organismos internacionais,
incluindo a Organização Hidrográfica Internacional, a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar e o Grupo de Especialistas das Nações Unidas em
Nomes Geográficos (UNGEGN, na sigla em inglês).
Além
disso, como o Golfo do México abriga uma grande variedade de habitats e
ecossistemas marinhos e costeiros, um novo nome implicaria em mudanças legais
nas cartas náuticas, nos mapas oficiais e na legislação nacional, que cada país
envolvido teria que contemplar.
Trump pode mudar o nome unilateralmente?
Mesmo que
o México e Cuba se oponham à mudança do nome do golfo, Donald Trump pode
realizar seu desejo, embora outros países possam não reconhecer o nome Golfo da
América.
Nos
Estados Unidos, há mecanismos para renomear locais reconhecidos pelo governo
federal.
Um deles
é o Conselho para Nomes Geográficos (BGN, na sigla em inglês), órgão cujo
objetivo é estabelecer e manter o uso uniforme de nomes geográficos no governo
federal.
O
conselho não cria nomes para lugares geográficos, mas aprova ou rejeita novos
nomes propostos por agências federais, governos estaduais ou municipais e pela
população.
Se levar
adiante sua proposta, Trump não seria o primeiro presidente americano a pedir
uma mudança de nome geográfico.
Em 2015,
o BGN aprovou a solicitação do então presidente Barack Obama para mudar o nome
do Monte McKinley, o pico mais alto da América do Norte, para Monte Denali,
nome usado por gerações de povos nativos do Alasca, que significa "pico
mais alto do mundo".
A
montanha havia sido batizada em homenagem a William McKinley, um político de
Ohio que foi eleito presidente dos EUA em 1896, e assassinado apenas seis meses
após o início de seu segundo mandato.
McKinley
nunca pôs os pés no Alasca, e Obama declarou que seu objetivo ao mudar o nome
da montanha era melhorar as relações com os povos nativos americanos.
Aliás,
Trump indicou no passado que deseja reverter a mudança do nome, para que o
Monte Denali volte a se chamar Monte McKinley.
E, se o
BGN aprovar um eventual pedido de Trump para mudar o nome do Golfo do México,
não seria a primeira vez que mexicanos e americanos divergem sobre como chamar
um corpo d'água contido em suas fronteiras.
O rio que
atravessa a fronteira entre o Estado americano do Texas e os Estados mexicanos
de Chihuahua, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas é conhecido como Rio Grande
entre os americanos, enquanto os mexicanos o chamam de Rio Bravo.
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